Um dos temas intrigantes da reforma da Previdência de 2019 foi, além de renomear a aposentadoria por invalidez para aposentadoria por incapacidade permanente, ter mexido no seu valor.
Enquanto por décadas a etiologia do adoecimento não tinha qualquer relevância no valor do benefício, a partir da redação do art. 26 da Emenda Constitucional n. 103/2019 se deu a discriminação em remunerar com percentual de 100% do salário de benefício os casos de invalidez decorrentes de acidente de trabalho, doença profissional ou do trabalho.
As demais doenças são calculadas com 60% do salário de benefício e acréscimo de dois pontos percentuais para cada ano de contribuição que exceder o tempo de 20 anos de contribuição para segurados homens ou 15 anos de contribuição para seguradas mulheres.
Isso permite que o segurado —que se torne inválido— só terá direito à integralidade se tiver no histórico, ao menos, 40 anos de contribuições pagas ao INSS para os homens e 35 anos para as mulheres.
A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, proferiu decisão que altera essa forma de cálculo. Ela confirmou decisão do tribunal paranaense, que, por sua vez, julgou inconstitucional o texto da reforma e permitiu aumentar o valor da aposentadoria de 60% para 100%.
No julgamento do Recurso Extraordinário n. 1.360.286, a relatora Rosa Weber entendeu que a forma de cálculo da aposentadoria por incapacidade permanente seria um assunto a ser resolvido nas instâncias inferiores. É como se a ministra tivesse lavado as mãos sobre esse assunto, ao entender que não seria um tema da alçada do Supremo. Ainda que o problema tivesse chegado lá justamente em razão de recurso do INSS, que foi obrigado a aumentar o valor do benefício por conta da inconstitucionalidade do cálculo reconhecida na justiça paranaense.
A diferenciação normativa promovida entre o adoecimento provocado pela atividade profissional e as outras doenças surgidas por razões diversas não foi a única distorção que tornou sem efeito a reforma, pelo menos entre as partes daquele processo.
A discussão também trouxe à tona outro assunto: a reforma previdenciária permite em alguns casos que o cálculo do auxílio-doença (atualmente, benefício por incapacidade temporária) seja maior que a própria invalidez.
É que a Emenda Constitucional n. 103/2019 não alterou a renda do auxílio-doença, o qual permanece equivalente a 91% do salário de benefício, limitado à média aritmética simples dos últimos 12 salários de contribuição. E essa sistemática é mais benéfica em alguns casos do que a própria aposentadoria por invalidez.
A decisão pode trazer repercussão em milhares de outros casos, principalmente em quem somente teve reconhecida a invalidez a partir de 12 de novembro de 2019 e passou a ganhar até 40% menos com essa novidade.
A forma de cálculo instituída na reforma é um paradoxo, pois, mesmo considerando que o país tem alta taxa de sinistralidade decorrente de acidente de trabalho, a nova ordem constitucional é justamente mais vantajosa com os benefícios acidentários em detrimento dos previdenciários, além de em alguns casos o benefício temporário ser maior que o da própria aposentadoria que reconheceu a invalidez.
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