Ronaldo Lemos

Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.

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Descrição de chapéu Folhajus

AGU não aprendeu lições sobre fake news

Não é o combate à "mentira", nem a conteúdos individuais que "desinformem sobre políticas públicas", que vai dar certo

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Como gosta de dizer o colega Elio Gaspari, a AGU (Advocacia-Geral da União) atravessou a rua para poder pisar em uma casca de banana. Em geral, decretos que tratam da estrutura regimental da AGU são documentos sem graça que não geram muita atenção pública. Até porque a definição do que faz a AGU deriva da Constituição, e não há muito o que mexer.

Só que desta vez foi diferente. Alguém resolveu inovar na estrutura regimental da AGU criando uma "Procuradoria de Defesa da Democracia", capaz de atuar em "demandas e procedimentos para resposta e enfrentamento à desinformação sobre políticas públicas". Ganha uma viagem para Singapura quem souber definir o que é desinformação sobre políticas públicas.

Como esse conceito não existe na lei, ganhou uma definição oficial improvisada: "mentira voluntária, dolosa, com o objetivo claro de prejudicar a correta execução das políticas públicas com prejuízo à sociedade e com o objetivo de promover ataques deliberados aos membros dos Poderes, com mentiras que efetivamente embaracem o exercício de suas funções públicas".

Homem branco, de terno preto, coloca as mãos sobre os olhos, em gesto de quem enxuga as lágrimas
Jorge Messias, novo advogado geral da União, se emociona durante seu discurso de posse no Palácio do Planalto. - Gabriela Biló/Folhapress

Usar o conceito de "mentira" como categoria jurídica implica definir o seu oposto, que é o conceito de "verdade". E nesse sentido, a última figura da República que deveria definir o que é verdade ou mentira é o Poder Executivo. Até porque falar mentiras não é ilícito. Se fosse haveria mais gente na cadeia do que fora dela.

Feita a crítica, o que deveria então ser feito? Em primeiro lugar, lembrar que uma das grandes conquistas do Marco Civil foi fazer com que o Poder Executivo não tivesse ingerência sobre o que é postado na internet. Essa atribuição cabe ao Judiciário e ao Legislativo. É melhor que continue assim.

Tanto é que a própria Constituição de 1988, ao criar o Conselho de Comunicação Social (do qual este colunista já foi membro e vice-presidente), fez dele um órgão de assessoria ao Congresso Nacional, e não do Executivo. As atribuições do Poder Executivo sobre as comunicações da sociedade são limitadas e estão muito bem definidas nos capítulos que tratam do tema na Constituição.

A mesma coisa acontece com as competências da AGU, que estão também bem definidas pela Constituição. Qualquer atuação do órgão sobre o tema da desinformação teria necessariamente de estar implícita nos Poderes já existentes. Querer definir explicitamente novas atribuições (e de forma imprecisa e sem amparo em lei complementar) parece ser uma tentativa malograda de expandir as competências da AGU.

Tudo isso dá pistas de que as lições que realmente importam sobre o combate às chamadas "fake news" não foram aprendidas. O combate que é desejável (e que dá certo) é o combate aos métodos de desinformação, e não aos conteúdos em si. É preciso combater o financiamento oculto a campanhas de desinformação. Combater comportamentos inautênticos coordenados, que precisam de dinheiro, robôs e recursos tecnológicos para acontecer.

Não é o combate à "mentira", nem a conteúdos individuais que "desinformem sobre políticas públicas", que vai dar certo. Em outras palavras, no combate às fake news é preciso atacar as raízes e não as folhas. A AGU quis comprar um canhão novinho em folha e apontá-lo para as folhas. Não vai dar certo.


Já era – combater conteúdos individuais para combater fake news

Já é – perceber que o combate às fake news depende de entender como elas se articulam e financiam

Já vem – fake news geradas por inteligência artificial, com potencial de inundar a internet e suas plataformas

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