Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

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Descrição de chapéu The New York Times

Grande aposta de Liz Truss no Reino Unido é uma volta aos anos 1980

Com viagem nostálgica à la Reagan e Thatcher, primeira-ministra vai na direção oposta à do ideal de centro-direita

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The New York Times

Liz Truss, a nova primeira-ministra do Reino Unido que talvez não ocupe o cargo por muito tempo, está, na opinião geral, fora de contato com a realidade.

Sua grande aposta ao suceder a Boris Johnson —um miniorçamento cheio de cortes de impostos, do qual já houve recuos— parece um desastre político, imprudentemente inflacionário e fiscalmente desestabilizador. Como política, o miniorçamento parece ainda mais idiota.

No momento, o ideal eleitoral para governos de centro-direita no mundo ocidental é uma mistura de conservadorismo cultural (não religioso) e relativa moderação econômica. Uma política de direita antilibertária, favorável ao Estado de bem-estar social e desconfiada da imigração, que agrada a um eleitorado fustigado pela globalização e preocupado com a identidade nacional.

A primeira-ministra britânica Liz Truss assiste a apresentação do secretário do Tesouro Kwasi Kwarteng em convenção do partido, em Birmingham - Oli Scarff - 3.out.22/AFP

Esse é o estilo de política que acaba de eleger o movimento populista de Giorgia Meloni na Itália e que levou o populismo de direita para a corrente dominante da política sueca. É também a política que o Partido Republicano dos EUA está perpetuamente tateando sem chegar lá.

Mas Truss foi na direção oposta, não apenas com sua medida de redução fiscal, mas com um impulso para expandir a imigração —uma dupla aposta numa receita de crescimento dos anos 1980, uma viagem nostálgica de Ronald Reagan-Margaret Thatcher que afastou os conservadores de seu eleitorado e rendeu a seu partido números absolutamente apocalípticos nas urnas.

Há algo a dizer em defesa da primeira-ministra cambaleante? Só isso: quando os políticos voltam, com aparente irracionalidade, a ideias que parecem zumbis e inadequadas ao momento presente, muitas vezes é sinal de que os problemas do momento presente simplesmente não têm soluções claras. As opções do passado podem estar erradas, mas pelo menos parecem familiares e atraentes.

Essa é a difícil situação do conservadorismo europeu nesse momento. Pode ganhar o poder porque o antigo establishment, o centro supostamente sensato, ajudou a criar e falhou em resolver três problemas interligados. Em primeiro lugar, a globalização e a integração europeia enriqueceram mais o centro do que a periferia. Em segundo lugar, a riqueza, a secularização e a estagnação econômica reduziram as taxas de natalidade, ameaçando o despovoamento e o declínio. Terceiro, a solução centrista preferida tanto para a estagnação econômica quanto para a diminuição demográfica —a imigração em massa— contribuiu para a balcanização, a criminalidade e a reação dos nativos, mesmo num bastião progressista como a Suécia.

Apenas a direita populista fala consistentemente sobre os três problemas, daí sua vantagem política atual. Mas a direita populista sabe como abordá-los? Não exatamente. Boris, o malfadado antecessor de Truss, prometeu um reequilíbrio de investimentos que beneficiaria as regiões negligenciadas não londrinas do Reino Unido —e você poderia argumentar que um reequilíbrio maior é o que todos esses problemas deveriam provocar.

Uma mudança de gastos públicos com idosos para gastos com jovens e pais. Uma mudança dos gastos assistenciais para políticas industriais. Uma mudança de depender de imigrantes para aumentar o PIB a investir no crescimento interno e na renovação regional. De desregulamentação em prol das finanças para desregulamentação em benefício de famílias jovens que não podem comprar uma casa.

Mas cada uma dessas ideias exige extremo cuidado com os detalhes —que tipo de política industrial? E de política familiar?—, e muitas delas podem levar uma geração para dar frutos. Enquanto isso, muitos eleitores conservadores têm interesse na situação vigente; não gostam do modo como as coisas mudaram, sem admitir como contribuíram para os problemas.

Os mais velhos, em especial, provavelmente resistirão a reequilíbrios que reduzam aposentadorias ou o valor de suas casas, mesmo que ele seja necessário para restaurar o vigor social de que sentem falta.

Em seguida, adicione os limites de gastos repentinamente impostos pela inflação e a crise de energia da guerra e você tem um cenário em que os populistas podem acabar como guardiões de direita da mesma doença que ajudou a levá-los ao poder —governando como defensores de um chauvinismo antiquado em vez de tradição real (porque um continente secularizado não é realmente tradicional), preservando uma cultura de museu pelo maior tempo possível contra novas ondas de imigração, com uma parte da raiva contra o crepúsculo civilizacional que Meloni apresenta em seus discursos inflamados, mas nenhum plano real para transformar sociedades com berços vazios e déficits orçamentários.

O perigo autoritário nesse tipo de política populista não seria o fascismo belicista agressivo da década de 1930. Seria o fictício Guardião da Inglaterra, ditador que governa um país sem filhos e moribundo no romance profético de P.D. James "The Children of Men", prometendo a seus súditos idosos paz, ordem e nostalgia no crepúsculo da raça humana.

Para sentir um pouco de simpatia pela aposta de Truss na volta à década de 1980, basta considerar esse cenário alternativo. Diante de um futuro europeu tão plausível e sombrio, não é de surpreender que alguns políticos de direita busquem refúgio no futuro mais feliz e mais simples que era prometido pelo passado.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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