Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

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Como um novo conservadorismo quer dominar o Partido Republicano nos EUA

Legenda de oposição a Biden deve responder como cortar impostos e representar a classe trabalhadora

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The New York Times

O movimento conhecido como conservadorismo nacional, que acaba de encerrar sua conferência mais recente na Flórida, representa a terceira grande tentativa de resolver o dilema político fundamental do Partido Republicano no século 21: como uma sigla que historicamente representou os ricos e as grandes empresas pode se adaptar a um mundo onde a base eleitoral do conservadorismo não é composta só pela classe média, mas é também de colarinho azul, mais pobre e está decepcionada com a economia?

A primeira tentativa de adaptação foi feita por George W. Bush. Seus slogans eram "conservadorismo compassivo" e "sociedade de proprietários" e suas políticas incluíam novos gastos com educação e saúde, apoio a programas de base religiosa para combater a pobreza e crédito fácil para os compradores da primeira casa própria. Tudo visava, teoricamente, fomentar a autossuficiência em vez da dependência, construindo uma alternativa conservadora ao estado liberal de bem-estar social.

Depois de o bushismo ter encalhado na bolha imobiliária e na crise financeira, foi a hora da segunda adaptação: o chamado conservadorismo reformista, idealizado (eu fui um dos idealizadores) como mais realista e prudente, propondo um conjunto de soluções tecnocráticas para aumentar a mobilidade econômica e melhorar a vida da classe média —especialmente a vida familiar da classe média— sem explodir o orçamento federal.

Homem acompanha palestra do ex-presidente Donald Trump em evento conservador em Dallas - Go Nakamura - 6.ago.22/Reuters

Esse trabalho parecia ter tudo para influenciar uma eventual administração de Jeb Bush ou Marco Rubio —até que Donald Trump simultaneamente o absorveu, o destruiu e ofereceu mais. Trump se deslocou muito à direita dos "reformocons" em algumas questões: o conservadorismo reformista queria uma política migratória baseada nas qualificações dos imigrantes; Trump simplesmente prometeu construir um muro.

E foi muito à esquerda deles em outros pontos: o conservadorismo reformista pretendia condicionar o direito das pessoas a receber benefícios à apresentação de comprovantes de sua situação financeira; Trump simplesmente prometeu protegê-las. E enfatizou questões como política comercial e industrial, que haviam recebido menos atenção dos analistas. E quase tudo isso ele fez instintivamente, não a agenda de algum think tank.

O conservadorismo nacional representa a versão mais completa desse esforço. É mais filosoficamente ambicioso. Seu guru, Yoram Hazony, afirma haver redescoberto um consistente conservadorismo anglo-americano não liberal e não autoritário, que teria raízes no legado protestante conservador da elite, descartado há tempos.

Mas, pelo lado político, a pergunta básica que seu movimento precisa responder não mudou desde a era Bush: como o Partido Republicano, ainda o dos livres mercados e cortes de impostos, pode representar e apoiar seus eleitores de classe trabalhadora?

Falando de modo geral, a resposta tem sido somar a ênfase trumpista em política comercial e industrial à conservadora reformista sobre política familiar, incluindo alguns impulsos antitruste. É uma visão na qual a governança conservadora apoia empregos qualificados de colarinho azul, a indústria nacional e os pais de crianças pequenas, ao mesmo tempo que procura enfraquecer o poder das universidades de elite e do Vale do Silício.

Essa visão está mais presente entre oradores em conferências que no Congresso. Mas já assumiu formas legislativas, incluindo duas propostas apresentadas por senadores republicanos. A primeira, de Tom Cotton, promete reformar o ensino profissionalizante e subsidiar o trabalho de profissionais qualificados, oferecendo um vale de US$ 9.000 para estudantes a se tornarem aprendizes em profissões manuais e mecânicas qualificadas em lugar de cursar faculdade.

A segunda, de Rubio, é uma atualização de suas propostas anteriores de política familiar, enquadrada como programa antiaborto e ligado à derrubada de Roe vs. Wade. Ela propõe o aumento do incentivo fiscal para filhos e adoção, juntamente com programas para dar apoio a mães.

Comparados à situação atual, os dois projetos são bons —assim como, comparada ao conservadorismo que apenas reduz impostos sobre ganhos de capital e declara vitória, a síntese de indústria e política familiar é eminentemente desejável.

Porém, já tendo assistido a vários ciclos de tentativas de realinhamento das políticas públicas da direita, tenho uma ideia das dificuldades que levam esses esforços a fracassar.

A primeira é que, pelo fato de os democratas quase sempre estarem dispostos a gastar mais que os republicanos, sempre que uma questão ganha destaque no debate público há uma tendência de a esquerda oferecer mais que os reformadores conservadores.

Isso já aconteceu, até certo ponto, com a política industrial e familiar: os democratas de Biden tentaram cooptar as duas questões, deixando os republicanos populistas relegados a ou fazer o papel de parceiros juniores em acordos bipartidários ou a discutir o enunciado das políticas, criticando os detalhes de uma proposta dada de política industrial.

Isso por si só não é um problema fatal. O bipartidarismo tem seu lugar, e a finalidade de modificar a política econômica republicana não é simplesmente fazer melhor que os democratas —é articular políticas públicas melhores e minimizar a vantagem democrata quando se trata do trabalho básico da política: recompensar eleitores.

E, numa era de limites impostos pela inflação, especialmente, dizer que "queremos fazer em parte o mesmo que os democratas, mas de modo mais inteligente, gastando menos e sem a bagagem cultural progressista" é uma ambição política perfeitamente razoável e mensagem política sólida (e sem dúvida preferível a dizer "vote em nós, não faremos nada exceto reduzir os impostos sobre os ricos").

Mas "perfeitamente razoável" e "sólido" foi o que o conservadorismo reformista prometeu no passado. Esperava-se que a ascensão de Trump mudasse tudo, trouxesse à tona a falência absoluta do consenso político existente, a necessidade de um conservadorismo cujo pensamento fosse além de questões fiscais e afins.

E essa ambição se choca com o segundo desafio que os conservadores nacionais enfrentam: o fato de que a inflação, se se mantiver, vai forçar políticos ambiciosos a fazer escolhas difíceis —para os conservadores, essas escolhas são limitadas pela aversão da direita a aumentar impostos sobre os ricos.

Existem exceções, e Cotton e Rubio as aproveitam. Você pode taxar ricos se forem instituições liberais ricas; Cotton financia seu vale em parte com um imposto sobre doações a universidades particulares ricas. Pode taxar a classe alta, reduzindo incentivos fiscais; assim, Rubio financia políticas familiares eliminando a dedução de impostos estaduais e locais.

Novamente, essas são políticas boas. Nossas universidades ricas merecem ser taxadas, e deduções merecem desaparecer. Mas são políticas autolimitantes, adequadas a uma agenda tecnocrática modesta mas não à, digamos, espécie de gastos com política industrial que Steve Bannon prometeu no passado que o trumpismo realizaria. Tampouco a uma política familiar mais generosa que pudesse elevar o índice de natalidade ou ajudar o movimento antiaborto a realizar suas ambições.

E uma tendência autolimitante, embora compreensível, aponta para um futuro plausível em que o conservadorismo nacional se permita ser reabsorvido no mainstream republicano sem ter realizado sua revolução.

Como observou Park MacDougald, nos poucos anos desde quando começaram a promover conferências os conservadores nacionais já começaram a moderar seu discurso. A primeira conferência, segundo ele, foi "caótica, controversa e heterodoxa de maneiras boas e ruins". Mas com o conservadorismo nacional ganhando destaque, assistimos à chegada de uma versão mais suave dele, com poucas provocações marginais, menos substância política heterodoxa e "uma pauta republicana mais convencional".

Boa parte do movimento nacional-conservador parece estar disposto a mobilizar-se em torno de Ron DeSantis —algo compreensível e, comparado à alternativa de um Trump repaginado, prudente. Mas será que DeSantis é de fato um "natcon" ou é apenas um republicano capaz de embarcar de carona numa onda populista e tirar vantagem de excessos culturais liberais? E, se for a segunda opção (o que é provável), quanto o conservadorismo nacional deve pedir que ele faça? E o que será feito do ideário natcon se, digamos, DeSantis for eleito presidente por maioria estreita, algum espaço fiscal se abrir e ele usar a maior parte disso para cortar impostos sobre setores de alta renda, como é praxe para republicanos?

Uma resposta é que alguns poucos natcons vão cair na irrelevância política honrosa, enquanto o restante se contentará em ser "parceiros que exigem pouco".

Mas esse epíteto não é inteiramente justo: como os reformocons e os conservadores compassivos, os natcons têm motivos não econômicos fortes para permanecer na coalizão republicana. Desde que o partido continue a ser antiaborto ou a alinhar-se contra o progressismo cultural, eles estarão ganhando algo importante.

O que querem, contudo, é liderar a coalizão —definir as prioridades da direita e buscar uma maioria à moda de Reagan ou Roosevelt. E para conseguir isso, eles precisarão encontrar a alavanca que os predecessores nunca chegaram a descobrir.

Tradução de Clara Allain

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