Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

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Ross Douthat

Debater com antivacina Kennedy Jr. é única forma de derrotar suas ideias

Numa sociedade livre, é necessário discutir com pessoas influentes, ainda que representem pensamentos questionáveis

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The New York Times

Em meus anos mais jovens e vulneráveis, fui convidado a substituir alguém num debate no litoral de Nantucket, após o cancelamento na última hora de um participante mais destacado. O assunto era Deus e religião, e servi de defensor da fé contra os esforços acusatórios de Christopher Hitchens.

Na minha memória, foi um caso brutal. O público estava lá para ouvir Hitchens no auge de seus poderes, e eu era apenas o ator coadjuvante. Lancei alguns argumentos cuidadosamente ensaiados e extremamente racionais; ele os rebateu espirituosamente. A multidão aplaudiu; os anjos choraram.

O candidato Robert F. Kennedy Jr. acena para o público após fazer um discurso sobre política externa em Manchester, nos EUA - Brian Snyder - 20.jun.23/Reuters

A lição que tirei dessa experiência foi simples: tentar derrotar homens carismáticos com fatos e lógica é uma missão tola. O discurso de Hitchens de como "a religião envenena tudo" na história humana era uma mistura de blá-blá-blá, caricatura histórica e fanatismo antirreligioso mal disfarçado.

Portanto, eu não deveria ter elevado seus argumentos a um debate público. Em vez disso, deveria ter trabalhado na direção de um mundo em que as instituições se recusassem a apoiar seu estilo fundamentalista de ateísmo, não importa quantos habitantes de Nantucket clamassem por ingressos.

Espere, não –essa não é a lição que tirei. A lição que realmente aprendi foi: Ross, você estragou tudo, faça melhor da próxima vez. Porque não importava que eu pessoalmente considerasse o ateísmo de Hitchens além do âmbito intelectual; ele era uma figura importante liderando um movimento influente, e numa sociedade livre não há estratégia que substitua tentar ganhar discussões com figuras influentes, não importa os riscos de derrota ou constrangimento que você corra no percurso.

Essa é basicamente a perspectiva que trago para a discussão sobre se faz sentido para os defensores da vacinação em massa e outras políticas consensuais de saúde e ciência debaterem publicamente com Robert F. Kennedy Jr., candidato democrata a presidente.

Recentemente, um dos defensores da vacina, Peter Hotez, reitor da Escola Nacional de Medicina Tropical do Baylor College, foi convidado para debater com Kennedy no podcast de Joe Rogan e recusou, alegando que o candidato é escorregadio e inflexível, um manipulador de regras, para se discutir de forma produtiva.

Várias pessoas inteligentes escreveram ensaios defendendo Hotez: por exemplo, para a Bloomberg, Tyler Cowen explicou por que ele não se envolve com teorias econômicas excêntricas, enquanto meu colega Farhad Manjoo escreveu sobre sua experiência debatendo as teorias de Kennedy sobre fraude nas eleições de 2004 e por que agora ele pensa que foi um esforço inútil.

Não invejo ninguém por rejeitar um formato de debate específico e concordo que não faz sentido enaltecer certas ideias com uma longa refutação. No ano de 2023, entretanto, as ideias que Kennedy defende não são obscuras; elas claramente têm influência, por exemplo, sobre os milhões de americanos que recusaram a vacina da Covid-19. Ele próprio é uma figura famosa que já tem acesso a muitas plataformas de destaque, incluindo a de Rogan. E é um candidato à Presidência dos Estados Unidos, provavelmente um candidato marginal, mas com apoio significativo nas pesquisas atuais.

O que significa que, se você acha que ele não deve ser discutido publicamente, você precisa de alguma outra teoria para convencer os curiosos a esquecer as ideias dele.

No momento, a principal teoria alternativa parece ser impor uma quarentena intelectual, policiada pela checagem de fatos na mídia e declarações de especialistas confiáveis. E desculpe-me, mas isso é um fracasso total. Depende daquilo que evaporou, tornando mais popular a descrença na vacina –a confiança básica nas instituições, o respeito às credenciais, a disposição a aceitar opiniões de superiores.

Essa evaporação não aconteceu devido aos maus atores na internet, mas pois instituições e especialistas com frequência se mostraram indignos de confiança e incompetentes. Então, toda vez que essas instituições agora inconfiáveis fazem apelos pesados ("Kennedy, QUE OS ESPECIALISTAS CONSIDERAM UM TEÓRICO DA CONSPIRAÇÃO, diz…"), elas consolidam a suspeita e a alienação, sem derrotá-la.

Enquanto o debate —embora com grande risco— lhe dá a chance de fazer os desconfiados sentirem que suas suspeitas estão sendo levadas a sério, para reconquistar a sua confiança.

Existem também várias maneiras de ter uma discussão pública. Por exemplo, se me pedissem para debater com Kennedy, eu não falaria em nome da autoridade investida da ciência, mas em nome de minhas dúvidas mais moderadas sobre o conhecimento oficial, uma versão muito mais cautelosa do pensamento de "outsider" que ele leva a extremos injustificáveis.

Sejam quais forem os termos da discussão, o objetivo não é fazer com que o próprio Kennedy admita que, digamos, a ligação vacina-autismo nunca foi comprovada. Em vez disso, a esperança é persuadir parte de seu público a mudar as opiniões nas margens. Suspeito que ao menos alguns ouvintes foram convencidos pela tese de meu colega contra as teorias de Kennedy sobre as eleições de 2004, por exemplo. E gosto de pensar que já fiz bastante pelo teísmo por meio de aparições ocasionais no programa de Bill Maher na HBO, para compensar minha participação desastrosa naquela praia de Nantucket.

Talvez seja uma ilusão afetuosa. Mas, a menos que você esteja disposto a chegar à criação de um Ministério da Verdade, não há alternativa razoável.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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