Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

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Kevin McCarthy tem qualidade rara em um presidente da Câmara

Gostar de sua posição e querer estar nela é uma espécie de superpoder do líder republicano

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The New York Times

Entre as várias reavaliações do deputado republicano Kevin McCarthy, presidente da Câmara dos Estados Unidos, após suas negociações bem-sucedidas sobre o teto da dívida, a que tem implicações mais amplas é a do jornalista Matthew Continetti, que escreveu no Washington Free Beacon que "o superpoder de McCarthy é seu desejo de ser presidente da Câmara". "Ele gosta e quer seu emprego."

Se você não tivesse acompanhado a política americana nas últimas décadas, essa pareceria uma afirmação peculiar: que tipo de presidente da Câmara não gostaria do cargo?

Mas parte do que deu errado com as instituições americanas ultimamente é a falha de figuras importantes em considerar seus cargos como fins em si. O Congresso, especialmente, foi dominado pelo que Yuval Levin, analista político do Instituto de Empresas Americanas, descreve como uma mentalidade de "plataforma", em que deputados e senadores ambiciosos tratam seus gabinetes como lugares para se posicionar e serem vistos –como cabeças falantes, líderes de movimentos, futuros presidentes–, em vez de funções para ocupar e oportunidades para servir.

O presidente Joe Biden, à dir., aperta a mão do presidente da Câmara, Kevin McCarthy, após discurso no Capitólio
O presidente Joe Biden, à dir., aperta a mão do presidente da Câmara, Kevin McCarthy, após discurso no Capitólio - Jacquelyn Martin - 7.fev.23/Reuters

Do lado republicano, essa tendência assumiu várias formas, desde o desejo de Newt Gingrich, ex-presidente da Câmara, de ser um "Grande Homem da História" à ambiciosa grandiosidade do senador Ted Cruz nos anos de Barack Obama, ao surgimento de artistas performáticos na era de Donald Trump, como Marjorie Taylor Greene. E os parlamentares institucionalistas do partido, de negociadores como John Boehner a especialistas em políticas como Paul Ryan, muitas vezes parecem prisioneiros miseráveis das cabeças falantes, marcas de celebridades e aspirantes a presidentes.

Essa dinâmica parecia propensa a aprisionar McCarthy, mas ele encontrou uma forma diferente de lidar com ela: convidou alguns dos atiradores de bombas para o processo legislativo, tentando transformá-los de buscadores de plataforma em legisladores, dando-lhes participação na governança e, até agora, foi recompensado com o apoio de figuras como Greene e Thomas Massie, o peculiar libertário de Kentucky.

E está claro que parte do que torna isso possível é o entusiasmo de McCarthy pelo verdadeiro trabalho de contagem de votos e controle exigido de sua posição, e a falta de egomania gingrichiana e de impaciência.

Mas McCarthy não está operando no vácuo. A era Biden foi boa para o institucionalismo em geral, porque o próprio presidente parece entender e apreciar a natureza de seu cargo mais do que Obama jamais fez.

Como meu colega Carlos Lozada observou em nosso podcast na semana passada, tanto no Senado quanto na Casa Branca, Obama estava cheio de uma impaciência palpável com todas as limitações a seus atos. Isso aparecia em sua estratégia de negociação, em que tendia a usar seu gabinete como plataforma, dando sermões aos republicanos sobre o que eles deveriam apoiar e, assim, afastando-os de um acordo.

Já Biden, que realmente gostava de ser senador, está confortável com uma negociação silenciosa sobre qualquer base razoável, algo crucial para manter o outro lado envolvido numa negociação. E ele também se sente confortável em deixar a máquina giratória funcionar em ambos os lados do corredor, em vez de impor sua própria narrativa retórica sobre qualquer barganha que os republicanos possam conseguir.

Outro elemento crucial no ambiente mais saudável é a ausência do que Ted Cruz trouxe para as negociações do teto da dívida sob Obama –o tipo de maximalismo abrangente destinado a construir uma marca presidencial, que transforma a negociação normal em uma luta existencial.

Esperando esse tipo de maximalismo dos republicanos, alguns liberais continuaram pedindo intransigência a Biden muito depois de ficar claro que o que McCarthy queria estava mais de acordo com as barganhas anteriores do teto da dívida. Mas a razoabilidade do presidente da Câmara era sustentável devido à ausência de um importante senador republicano no papel absolutista de Cruz.

Em vez disso, o republicano populista mais notável eleito em 2022, J.D. Vance, tem estado ocupado procurando acordos com democratas em questões como segurança ferroviária e remuneração de executivos bancários, ou acrescentando uma emenda ao projeto de teto da dívida, embora tenha votado contra isso –como se ele, não menos que McCarthy, realmente gostasse e quisesse seu emprego atual.

Uma razão para a diminuição de exibicionistas como Ted Cruz é a presença contínua de Trump como a personalidade do Partido Republicano, a cuja iminência nenhum senador pode razoavelmente aspirar.

Ao menos até 2024, está claro que a única maneira de Trump ser deposto é por meio da contraprogramação oferecida pelo governador da Flórida, Ron DeSantis, que está se vendendo –veremos com que sucesso– como o candidato da governança e da competência; nenhuma celebridade ou demagogo maior está entrando por aquela porta. Assim, por enquanto, há mais benefícios na normalidade legislativa para os republicanos ambiciosos e menos tentação em relação à mentalidade de plataforma do que haveria se o papel de Trump estivesse disponível.

Aconteça o que acontecer, levará anos até que esse papel fique claro. Nesse caso, McCarthy poderia ficar feliz em seu emprego por muito mais tempo do que seria esperado por qualquer um que assistisse à sua tortuosa ascensão.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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