Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Ross Douthat

Conservadores religiosos podem definir candidatura de Trump à Presidência dos EUA

Custos sociais são invisíveis para aliança da direita cristã que sustenta ex-presidente

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

The New York Times

Quando o conservadorismo religioso fez as pazes com Donald Trump em 2016, o cálculo básico era que os benefícios do poder político –ou, alternativamente, de manter o progressismo cultural fora do poder político pleno– superavam os custos para a credibilidade cristã inerentes a aceitar uma figura pagã como campeão e líder político.

A avaliação contrária, feita pela ala cristã do Never Trump [Trump Nunca], era que aceitar Trump exigia concessões morais pelas quais o cristianismo americano acabaria sofrendo, independentemente dos assentos na Suprema Corte ou das vitórias políticas que os conservadores religiosos pudessem obter.

O ex-presidente dos EUA Donald Trump em evento de campanha em New Hampshire
O ex-presidente dos EUA Donald Trump em evento de campanha em New Hampshire - Brian Snyder - 27.abr.23/Reuters

Esses cálculos não foram feitos por analistas desinteressados, examinando toda a sociedade americana e pesando custos e benefícios agregados. Foram feitos por pessoas inseridas em determinadas comunidades, em estados republicanos ou democratas, em diferentes regiões, congregações e tradições, cujos horizontes imediatos moldaram suas expectativas e análises.

Este último ponto é crucial à medida que nos aproximamos de uma campanha primária republicana na qual os votos de conservadores religiosos poderão determinar se teremos mais uma indicação de Trump em 2024.

Figuras tão diversas quanto Ron DeSantis, Tim Scott e Mike Pence estão apostando que há um caminho para a nomeação que envolve remover os eleitores religiosos da coalizão de Trump, a começar pelo estado americano de Iowa, onde os cristãos evangélicos costumam ter a chave das convenções. "Trump prejudicou ou ajudou o cristianismo?" provavelmente não será o enquadramento escolhido pelos políticos contrários a Trump, mas alguma versão dessa pergunta vai pairar sobre a batalha política.

Portanto, é útil ponderar por que a resposta intuitiva para, digamos, um republicano de Iowa pode ser muito diferente da resposta natural em Nova York, Boston ou Washington. Considere algumas análises recentes do analista de política e religião Ryan Burge, que tentou definir se houve algum tipo de "efeito Trump" na prática religiosa depois de 2016. Especificamente, ele analisou a parcela de americanos que nunca frequentaram a igreja nos seis anos desde a eleição de Trump, em comparação com essa parcela nos últimos seis anos de Barack Obama como presidente.

De modo geral, a taxa de não comparecimento à igreja vem aumentando há algum tempo, portanto, seria de se esperar algum aumento, independentemente das condições políticas. Mas Burge acha que entre os republicanos o ritmo de desfiliação não mudou muito entre as presidências de Obama e Trump. Entre os democratas, porém, houve aumentos repentinos na velocidade com que o não comparecimento cresceu: em 16%, contra 3% nos anos Obama, entre os democratas nascidos no final dos anos 1970; e em 14%, contra 2% antes de Trump, entre os nascidos no final dos anos 1940, para citar dois exemplos.

Isso implica que, se você frequentava uma igreja em uma área ou congregação majoritariamente republicana, provavelmente não notou qualquer mudança significativa entre a era Trump e o período anterior. Portanto, a insistência do Never Trump de que votar em Trump foi culturalmente dispendioso, de que isso estava afastando as pessoas do cristianismo, não corresponderia à sua experiência vivida. Entretanto, se você fosse um cristão numa área de tendência mais progressista, é mais provável que tivesse visto algo como um efeito Trump.

Essa experiência divergente mapeia, até certo ponto, os debates entre comentaristas cristãos pró e anti-Trump. As vozes mais anti-Trump costumam ser figuras dedicadas a fazer incursões cristãs nas classes profissionais ou na intelectualidade progressista, ou pelo menos manter uma presença cristã nelas. As vozes mais pró-Trump costumam ser pessoas estranhas a esses espaços e pouco à vontade, operando em ambientes que são mais consistentemente conservadores.

Portanto, não é de surpreender que, durante a Presidência de Trump e desde então, o primeiro grupo tenha tido seus medos sobre ele confirmados, e sua hostilidade a ele reforçada –porque estavam experimentando diretamente, em suas redes sociais e igrejas, parte da alienação e desmembramento que se seguiu à eleição de Trump. Enquanto o segundo grupo, operando num contexto diferente, sentiria que as profecias de desastre haviam sido exageradas, porque não estavam vendo as mesmas crises.

Nesta leitura, parte do que sustenta a aliança da direita religiosa com Trump –talvez até durante mais uma temporada eleitoral– é que seus custos sociais, seus efeitos alienantes, simplesmente não são tão visíveis para a maioria dos cristãos conservadores.

Mas essa descrição favorece o lado do Never Trump, porque presume que o que Burge está captando é definitivamente causado por Trump e apenas por Trump. Também pode ser que a descristianização mais rápida entre os democratas seja uma aceleração que teria acontecido de qualquer maneira, impulsionada por tendências gerais que estão ampliando a divisão entre o progressismo e a fé cristã.

Essa contrainterpretação enfatizaria, por exemplo, que Trump provavelmente não é a principal razão pela qual a eutanásia está se espalhando pelo mundo ocidental, ou por que os jovens não conseguem formar pares, casar e ter filhos. Ou, novamente, ele provavelmente não é a razão para o crescente apelo das práticas religiosas pós-cristãs, desde magia e bruxaria e até mesmo uma pequena dose de satanismo até formas mais banais de autoajuda espiritualizada.

O que significa, como o cristão mais pró-Trump poderia afirmar, que culpar Trump por dificultar a tarefa dos crentes nas regiões progressistas dos EUA é apenas um modo de certos cristãos –o tipo que se imagina como uma elite em boa situação– ignorarem o fato de que sua própria posição é cada vez mais insustentável, não por causa de qualquer coisa que os eleitores republicanos tenham feito, mas porque a cultura progressista está abandonando o cristianismo.

Na verdade, essas perspectivas não são mutuamente excludentes. Pode ser que o relacionamento do cristianismo conservador com Trump tenha tido um efeito tóxico sobre a atração do cristianismo para os não-republicanos, e ao mesmo tempo que alguns cristãos do Never Trump estejam tão focados nas corrupções de seus correligionários que estão perdendo a profunda deriva pós-cristã do progressismo.

Mas ver os dois lados não diz como integrar as duas perspectivas. O que me leva, finalmente, a Tim Keller, o pastor presbiteriano, autor e evangelista que morreu na última sexta-feira (19).

Keller foi um exemplo de um cristianismo tradicional tentando testemunhar as partes mais progressistas dos EUA. Ele construiu sua igreja, a Presbiteriana do Redentor, no centro da Manhattan secular; conquistou adeptos entre os profissionais progressistas da cidade; seus livros, sermões e ministério público foram todos planejados para pessoas com teses seculares e uma profunda desconfiança do cristianismo tradicional. Mas ele não era comprometido ou semiassimilado: Keller, quando mais influente, foi um presbiteriano ortodoxo, o que o tornou um conservador em sexualidade, casamento e papéis de gênero, com um firme coro de críticos à sua esquerda teológica.

Durante a era Trump, a maneira de Keller navegar nessas águas difíceis, especialmente sua ênfase na falta de moradia política dos cristãos, atraiu um novo tipo de crítica à sua direita. Ele foi acusado (às vezes gentilmente, às vezes duramente) de cultivar um entusiasmo que não tinha mais um público progressista significativo, e de não reconhecer que havia chegado a hora de distinções mais nítidas –um cristianismo de guerra, digamos.

Mas, na verdade, Keller provou, até o fim, que mesmo que as condições estivessem piorando para a pregação cristã o evangelho ainda poderia ser pregado com eficácia, e a intelectualidade secular ainda não estava inexpugnavelmente fortificada contra seu tipo de cristianismo.

Ao mesmo tempo, ele manteve sua missão junto aos progressistas sem se tornar um crítico trovejante de seus companheiros cristãos que optaram por um caminho mais combativo politicamente. Ficou claro que Keller não era um trumpista e que o trumpismo tornava seu tipo de evangelismo mais difícil, mas ele não adotou o ressentimento contra o populismo como identidade central ou obsessão.

Em vez disso, mais do que qualquer figura religiosa proeminente em nosso tempo polarizado, ele manteve o "cristão" como sua principal marca de identidade e deixou um legado de textos, sermões e encontros nos quais a alma do leitor ou ouvinte é a matéria central, e a política pouco aparece, ou nada.

Essa não é a única maneira de os cristãos equilibrarem as dificuldades desta época; para aqueles de nós que cobrem ou praticam política para viver, não é uma opção totalmente disponível e, sem dúvida, alguns aspectos de seu ministério pertencem a um mundo que já passou.

Mas seu legado ainda é a prova de que o faccionalismo e o partidarismo não precisam definir toda reputação religiosa e que, para o pregador, o evangelista cristão, ainda existem maneiras de ser fiel e eficaz que começam por dizer "non serviam" tanto à direita quanto à esquerda.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.