Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

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Descrição de chapéu Eleições EUA

Em que crê J.D. Vance, senador cotado para ser vice de Trump

Parlamentar ganhou fama com autobiografia, celebrada como um guia para explicar o trumpismo, e depois surpreendeu os EUA ao se tornar um dos maiores defensores do republicano

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Nova York

Em 2016, a autobiografia de J.D. Vance, "Era uma vez um sonho" ("Hillbilly Elegy" em inglês), o tornou um dos principais intérpretes do trumpismo nos Estados Unidos, oferecendo uma narrativa pessoal das origens do populismo no caos da classe trabalhadora.

Em 2024, como senador dos Estados Unidos em primeiro mandato por Ohio, Vance é possivelmente o principal trumpista da país. Fiel aliado de Donald Trump e crítico do consenso do establishment (ou do que resta dele) na política interna e externa, Vance é um potencial candidato a vice-presidente e um provável definidor da agenda populista para um segundo mandato de Trump.

O senador J.D. Vance durante uma audiência com o Comitê de Meio Ambiente e Obras Públicas do Senado dos Estados Unidos. - Anna Moneymaker - 9.mar.2023/Getty Images via AFP

O Vance de oito anos atrás foi lido com admiração e gratidão por oponentes de Trump em busca de uma visão sobre o populismo. Hoje, Vance é desprezado e temido por muitos desse grupo. Sua transformação é uma das histórias políticas mais marcantes da era Trump e provavelmente influenciará a política do partido Republicano.

Conheço Vance desde antes de ele assumir qualquer uma dessas identidades. Para esta conversa, falei com ele sobre como vê sua própria evolução, sua relação com a elite americana e com Trump em si, suas opiniões sobre economia populista e os Estados Unidos em relação à China. Ele também ofereceu uma defesa combativa (e, em minha opinião, fundamentalmente não comprovada e não persuasiva) da conduta de Trump após a eleição de 2020.

Depois de "Era uma vez um sonho"

A maioria das pessoas que compraram o livro "Era uma vez um sonho" eram liberais educados perplexos com o fenômeno Donald Trump. Gostaram do seu livro não apenas por seus méritos literários, mas também porque sentiram que ali estava um cara que era simpático às pessoas que votavam em Trump, mas que na época era veementemente contra ele. Achei que seria interessante o sr. se imaginar conversando com um grande fã de "Era uma vez um sonho" de 2016 e explicar como sua perspectiva mudou.
Havia uma coisa realmente boa sobre "Era uma vez um sonho", ou seja, a resposta a ele. As pessoas estavam tentando entender algo sobre uma parte do país que não entendiam. Mas havia algo que não era tão bom: as pessoas estavam procurando interpretar os eleitores de Trump de uma forma que nunca realmente as fazia questionar suas premissas ou repensar o que sentiam sobre essas pessoas. Percebi que estava sendo usado como intérprete de um fenômeno que algumas pessoas realmente queriam entender, mas outras não. Quanto mais eu sentia que não era um intérprete e defensor, mas parte do que eu achava errado sobre o establishment liberal, mais sentia essa necessidade de me afastar fortemente dele.

A sua perspectiva sobre os liberais da elite mudou mais nesse tempo ou a perspectiva sobre os republicanos anti-Trump da classe empresarial mudou mais?
Ambos. Eu cresci em uma família na qual minha avó estava negociando com as pessoas do Meals on Wheels (Refeições sobre Rodas, em português, um programa que entrega refeições para pessoas que não têm condições de comprar ou preparar sua própria alimentação) para nos darem mais comida. E, então, eu estava indo para o acampamento de bilionários de Sun Valley. Minha vida tinha mudado completamente.

Em geral, liberais de centro-esquerda e conservadores de centro-direita que estão se dando bem têm um ponto cego incrível sobre o quanto seu sucesso é construído em cima de um sistema que não está servindo as pessoas como deveriam.

Como o sr. passa daí para ser ativamente pró-Trump?
Fui confrontado com a realidade de que parte da razão pela qual os conservadores anti-Trump odiavam Donald Trump era que ele representava uma ameaça a uma maneira de fazer as coisas neste país que foi muito boa para eles.

Volte para a eleição de 2016. Você poderia dizer: "Bem, Trump não está realmente fazendo uma crítica ao consenso da política externa de Washington. Em 2003, ele sugeriu que apoiava a invasão do Iraque. Ele está apenas usando isso agora que é politicamente útil." Eu mesmo fiz esse argumento. Mas a verdade mais completa é que o país nunca realmente discutiu os erros do consenso bipartidário até Donald Trump surgir, e, à direita, ninguém havia discutido as falhas de George W. Bush até a chegada de Trump.

Assim como muitos outros conservadores de elite e liberais de elite, deixei-me focar tanto o elemento estético de Trump que ignorei completamente a maneira como ele estava oferecendo algo muito diferente em relação à política externa, ao comércio e à imigração.

O sr. votou em Trump em 2020?
Sim.

Quando o sr. decidiu que gostava de Trump?
A mídia tem essa visão de Trump como motivado inteiramente por ressentimento pessoal. A coisa da qual ele mais falava —isso não foi muito tempo depois de 6 de Janeiro— era "eu sou o presidente e disse aos generais para fazer algo, e eles não fizeram". E, eu pensei, ok, esse cara é mais profundo do que eu havia dado crédito. E também fiquei profundamente ofendido com isso. Falar sobre uma ameaça à democracia, e os generais não ouvindo o presidente dos Estados Unidos sobre assuntos como realocação de tropas.

Pessoalmente, eu gosto dele. Em um momento durante minha eleição, uma história negativa havia saído, e recebo uma ligação do nada. Era Trump. "Ei, só queria te dizer que você está fazendo um bom trabalho. Você sempre ouve as vozes mais odiosas, mas há muito amor por aí. Não esqueça que há muito amor por aí. Apenas continue assim". Ele é muito mais complexo do que a mídia lhe dá crédito. As pessoas pensam que esse cara é motivado inteiramente por ressentimento pessoal e por poder, e que ele só quer se tornar presidente para destruir a democracia americana. Isso não é de forma alguma quem ele é.

As eleições de 2020 e o 6 de Janeiro

O sr. usou o termo "estético" para descrever as coisas de que não gostava sobre Trump em 2016. Obviamente, as pessoas que se opõem a Trump acham que estilo e substância estejam entrelaçados e que o trumpismo seja uma ameaça grave às normas democráticas. Esse argumento recebeu um grande impulso em 6 de janeiro de 2021. Então, primeiro, qual é a sua opinião sobre a legitimidade das eleições de 2020?
Em primeiro lugar, [é preciso] admitir que existe uma sobreposição entre estilo e substância. Penso que isso seja, na verdade, especialmente na área da política externa, um ponto forte de Trump, e não uma fraqueza. Trump é, como seus detratores e seus apoiadores diriam, imprevisível. Ele é extremamente consciente dessa percepção, e sem revelar segredos de Estado, tenho 100% de certeza de que a imprevisibilidade reverteu em benefício dos Estados Unidos.

O argumento é basicamente que houve uma série de atores institucionais, empresas de tecnologia, várias formas de censura, que se mobilizaram em 2020 de uma maneira que não tinham feito em 2016. Houve censura tecnológica. As pessoas estavam preparadas para resistir a quaisquer surpresas.

E veja, surpresas fazem parte da democracia americana, quer você ache ou não que Hunter Biden seja um problema tão grande quanto eu acho. Na democracia americana você deixa os eleitores decidirem.

Foi uma forma pela qual a vontade democrática básica dos Estados Unidos foi obstruída. Não vejo motivo para pensar que as máquinas de votação mudaram votos, mas houve uma quebra na vontade democrática.

O segundo ponto é que as regras do jogo foram alteradas no meio. Quando uma cédula precisava ser enviada pelo correio na Pensilvânia para contar sob as regras eleitorais? Isso foi alterado. Isso foi alterado por razões de Covid, de uma maneira que a culpa é parcialmente do Comitê Nacional Republicano — não estávamos preparados para isso, os democratas estavam, e eles se aproveitaram disso.

E isso chega ao meu terceiro ponto, a crítica de pessoas, como eu, por violar alguma norma sagrada da democracia americana.

O sr. não acha que fazer a coisa certa às vezes aumenta seu poder? Se Trump tivesse se afastado, se ele não tivesse passado tanto tempo pressionando [seu vice, Mike] Pence, você não acha que ele poderia estar mais à frente nas pesquisas agora?
Quero deixar claro: não estou admitindo a premissa de que Trump esteja envolvido em algo fundamentalmente ruim aqui. Mas, talvez você esteja certo, se Trump tivesse simplesmente entrado no helicóptero e partido, ele estaria em uma posição melhor hoje. Talvez. Mas uma parcela inteira de nossa república democrática teria tido suas preocupações ignoradas.

Houve melhorias significativas na integridade eleitoral, como a lei de identificação de eleitores da Geórgia, que nunca teria acontecido sem esse grande debate público. E acho que teria sido extraordinariamente decepcionante para um grande número de pessoas se Trump tivesse simplesmente aceitado. De sua maneira muito única, ele deu voz a uma série de preocupações.

Se Donald Trump lhe pedisse para ser seu companheiro de chapa como vice, o sr. aceitaria?
Vou te dar a resposta padrão: nunca falei sobre isso com ele, o que é verdadeiro. Não tenho a impressão de que ele esteja focado nisso. Se ele me pedisse, certamente eu estaria interessado, mas estou tentando não pensar muito sobre isso até que ele realmente pergunte.

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