Governo Lula libera R$ 22 bi às pressas e turbina caixa de prefeitos antes de eleição

Abertura de cofre se deu após pressão do Congresso; legislação dificulta novos repasses a partir deste fim de semana

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Brasília

O governo Lula (PT) acelerou a liberação de emendas parlamentares e superou R$ 22 bilhões pagos neste ano, antes da trava imposta pela lei por causa das eleições municipais.

A cifra desembolsada ultrapassa os cerca de R$ 17 bilhões (em valores já corrigidos) distribuídos antes das eleições de 2022 por indicações de deputados e senadores, período em que Jair Bolsonaro (PL) governava o país. O recurso será direcionado principalmente aos cofres das prefeituras.

O volume de recursos desembolsados se deu devido à pressão da Câmara e do Senado, que forçou o governo a fechar acordo para não sofrer derrotas no Congresso. Como a Folha mostrou, o Planalto já projetava acelerar os pagamentos e alcançar cerca de R$ 22 bilhões distribuídos até o fim desta semana, por conta de acordo com parlamentares

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O presidente da República, Lula (PT), e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) - Gabriela Biló - 14.set.2023/Folhapress/Folhapress

Os dados de pagamentos são de quinta-feira (4), divulgados nesta sexta-feira (5) em portais da transparência. A soma de emendas pagas ainda pode subir durante o dia.

Só nesta última semana, o governo desembolsou R$ 7,2 bilhões em emendas —equivalente a uma liberação diária de R$ 1,4 bilhão. Essa cifra, paga em cinco dias, é próxima a tudo que foi pago no mês de junho.

A partir da próxima semana, a margem para repasse de emendas fica limitada a poucos casos, como o custeio de obras em andamento. Isso porque a legislação eleitoral impõe uma série de vedações nos três meses que antecedem o pleito para evitar abusos de poder político e econômico.

A trava se aplica às transferências da União e a inaugurações de obras, entre outras ações.

As emendas são uma forma pela qual deputados e senadores conseguem enviar dinheiro para obras e projetos em suas bases eleitorais e, com isso, ampliar seu capital político. A prioridade do Congresso tem sido atender seus redutos eleitorais, e não as localidades de maior demanda no país.

A maior parte das emendas (ao menos R$ 18,5 bilhões) será injetada em governos municipais para turbinar fundos de saúde e custear convênios para obras. Os repasses vão beneficiar mais de 5.300 municípios com pagamentos de R$ 21,5 mil a R$ 153 milhões. São Gonçalo (RJ) recebeu a maior cifra.

A verba enviada ao município governado por Capitão Nelson (PL) supera os investimentos previstos para todas as áreas (R$ 144,6 milhões) na lei orçamentária local. A maior parte dos recursos foi indicada pela Comissão de Saúde da Câmara, o que dificulta a identificação dos padrinhos políticos específicos da verba.

O dinheiro para a saúde domina os pagamentos de emendas, pois metade das indicações individuais de deputados e senadores deve ser aplicada no setor. O recurso pode bancar mutirões de exames e cirurgias, além de aliviar o caixa de prefeitos ao aumentar o financiamento federal das ações em hospitais e ambulatórios.

Coordenador acadêmico da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), o advogado Renato Ribeiro de Almeida disse que a injeção das emendas pode potencializar situações de abuso de poder e favorecer candidatos ligados aos comandos dos municípios.

"Já é sempre difícil lutar contra a situação, pois o cargo [de prefeito] já dá uma exposição. Se o sujeito está no cargo e faz uso de recursos para suplementar ainda mais as políticas públicas em curso, aumenta a dificuldade da oposição", disse Almeida.

A distribuição de emendas está no centro de suspeitas recentes de irregularidades. É o caso da investigação da Polícia Federal que aponta que o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, atuou no desvio de verbas para obras bancadas por indicações feitas por ele mesmo, no período em que exercia o mandato de deputado federal. Juscelino nega as suspeitas de corrupção.

Uma série de reportagens da Folha ainda mostrou que a emenda amplia desigualdades em políticas públicas, criando inclusive um abismo no acesso à água. Na prática, municípios mais necessitados são ignorados, enquanto redutos políticos são abastecidos sem nenhum tipo de critério técnico.

A cifra total paga em emendas pelo governo corresponde a cerca de 40% dos R$ 52 bilhões disponíveis em 2024 para indicações individuais de deputados e senadores, além daquelas feitas por bancadas estaduais e comissões do Congresso Nacional.

A influência das transferências especiais, conhecidas como emenda Pix, disparou no pleito atual. São ao menos R$ 4,4 bilhões distribuídos nessa modalidade, principalmente às prefeituras, contra R$ 1,5 bilhão pagos no ano da última eleição.

O deputado ou senador indica apenas o local que vai receber a emenda Pix, sem a necessidade de encaixar o recurso dentro de programas da prefeitura ou convênios.

O município de Macapá (AP) recebeu mais de R$ 44 milhões em transferências especiais. Apenas o senador Lucas Barreto (PSD), aliado do prefeito Dr. Furlan (MDB), que busca a reeleição, encaminhou R$ 17,2 milhões para a cidade. A Folha procurou o gabinete do senador e aguarda manifestação.

Os dados já disponíveis apontam que parlamentares do PL, maior bancada da Câmara, lideram o valor de emendas pagas (R$ 1,9 bilhão). A cifra equivale a cerca de 42% das emendas disponíveis a deputados e senadores do partido de Bolsonaro.

A proporção desembolsada é inferior à de bancadas como do PSD (67%) e do PT (52% pagos).

O repasse de emendas bilionárias com baixa transparência tornou-se um símbolo das negociações entre Congresso e Planalto durante a gestão Jair Bolsonaro (PL).

O STF (Supremo Tribunal Federal) chegou a proibir as emendas de relator –modalidade que ficou conhecida como "orçamento secreto"–, mas o Congresso contornou o veto e encaixou as verbas em emendas de bancada e comissão, que também não apontam o verdadeiro padrinho político da verba.

A falta de transparência das emendas voltou ao debate no STF. O ministro Flávio Dino determinou uma audiência de conciliação em 1º de agosto com diversas autoridades para avaliar se as práticas já declaradas inconstitucionais pela corte se mantêm.

O governo ainda quitou R$ 6 bilhões de emendas de anos anteriores, que estavam inscritas em "restos a pagar".

Durante a campanha de 2022, Lula chamou as emendas de relator de o "maior esquema de corrupção da atualidade", "orçamento secreto" e "bolsolão".

As negociações por verba, porém, seguem com baixa transparência e sob influência no Congresso dos mesmos atores que atuavam na gestão Bolsonaro. No caso da Câmara, o próprio da presidente, Arthur Lira (PP-AL), é um dos responsáveis pela partilha de verbas de comissão.

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