O sujeito, cerca de 30 anos e dono do mundo sob seu boné ao contrário, atravessa o avião indiferente aos passageiros sentados no corredor e ao alcance de sua mochila —alguns conseguem se desviar antes de levar com ela no nariz. Ao certificar-se de sua fileira, pede licença com um sinal quase imperceptível e espreme-se entre os ocupantes das duas primeiras poltronas até chegar à sua na janela. A mochila às suas costas é colossal, mas ele nem pensa em tirá-la antes de se sentar. Senta-se com ela e tudo, e, com isso, revoga uma das leis básicas da física: a da impenetrabilidade da matéria.

É a conhecida lei do físico e matemático britânico Isaac Newton (1643-1727), segundo a qual dois corpos distintos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo. Mas Newton pensava assim porque não conheceu nossa época. A todo momento há alguém agora provando que um indivíduo e sua robusta mochila podem perfeitamente ocupar tal lugar. Lugar este que não comporta três corpos, donde às vezes somos obrigados a tirar o nosso do caminho para que os outros dois se acomodem. A prova de que dois corpos podem ocupar o mesmo espaço e ao mesmo tempo é que, tanto no avião quanto no metrô, eles só pagam uma passagem.

Quando vejo alguém com uma dessas mochilas, tento imaginar o que contém. Imagino que sejam artigos de primeira necessidade, a ponto de seus titulares não poderem passar um minuto sem eles. Uma estimativa:

Chocolate, barra de cereal, energéticos, garrafa d’água, jaqueta impermeável, camisetas, uma muda de cueca, um chinelo, um par de tênis, boné sobressalente, protetor solar, estoque de camisinhas, smartphone, tablet, notebook, headphone, iPod, pendrive, minigames, carregadores, canivete suíço, um skate, gibis do Homem-Aranha etc. etc.. 

E, pelo peso da mochila, quando ela acidentalmente nos acerta e quase nos põe a nocaute, talvez uma bigorna.