Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Ruy Castro

Contando bi-bis

Um motoboy em São Paulo pode buzinar 19,2 mil vezes por dia

A trabalho em São Paulo, há alguns dias, resolvi contar o número de motoboys ultrapassando os táxis que eu tomava —algo que não posso fazer no Rio, onde esses profissionais são raros. Mas logo desisti —impossível acompanhar o fluxo deles, sem parar, de um lado e do outro dos táxis. E esmagadoramente todos, com ou sem motivo, fazendo bi-bi. 

Bi-bi é o som produzido por suas buzinas. Comparado ao das buzinas dos carros, é até simpático. Está mais para cômico do que para agressivo —na verdade, é um som avícola, como o de um pato ou marreco ao ter o pé pisado sem querer pelo dono da granja. Decidi então tentar calcular o número de bi-bis produzidos por cada motoboy no trânsito. 

Segundo cronometrei, um motoboy faz cerca de 40 bi-bis por minuto. Isso significa 2.400 bi-bis por hora, o que, num expediente normal de oito horas, equivale a 19,2 mil bi-bis por dia. A ideia de alguém repetir um movimento, que não seja o de piscar os olhos ou mastigar, quase 20 mil vezes por dia, é alucinante —e mais ainda por não ser um movimento espontâneo. Sem falar em que seus bi-bis não são produzidos para abrir passagem, porque esta já está sendo aberta pelos colegas à sua frente, que também se encarregam de fazer bi-bi. 

E este é o problema. Se cada motoboy escuta os bi-bis que emite, os quais são 19,2 mil por dia, e está cercado de centenas de outros motoboys produzindo igual número de bi-bis, é incalculável a quantidade de bi-bis que cada um deles escuta por dia ao trabalhar. Misturados aos outros ruídos da estrada, e que não são poucos, a cacofonia nos ouvidos desses rapazes deve ser de enlouquecer. Imagino que, ao fim do dia, ao guardar a moto e recolher-se a seu apartamento ou casa, eles queiram ingressar num mundo nirvânico, de paz e silêncio, não? 

Que nada. Garantiram-me que, em suas horas de folga, eles pegam a moto e vão todos para a Galeria do Rock.

Fila de motoqueiros na avenida 23 de Maio, em São Paulo
Fila de motoqueiros na avenida 23 de Maio, em São Paulo - Silva Junior - 4.fev.13/Folhapress

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.