Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

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Ruy Castro

O autor oculto

A injustiça de atribuir as músicas a seus eventuais intérpretes

Em 2017, os herdeiros de Ary Barroso processaram a gravadora Sony por ela ter atribuído à cantora Inezita Barroso a autoria do samba “É Luxo Só”, no encarte do DVD “Dois Amigos”, de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Mais recentemente, na 44ª Vara Cível do Rio, os advogados da Sony garantiram que, assim que soubera do erro, a gravadora corrigira o encarte e demais peças que o continham. Ao fim da audiência, o advogado dos herdeiros de Ary foi à Livraria da Travessa, ali perto, e comprou um exemplar do DVD. E lá estava “É Luxo Só”, de Inezita Barroso.

A Sony detém hoje o acervo da Victor, gravadora pela qual, entre 1930 e 1960, Ary Barroso lançou vários de seus clássicos: “Faceira”, “Maria” e “Morena Boca de Ouro”, com Sylvio Caldas; “Na Batucada da Vida”, com Carmen Miranda; “Camisa Amarela”, com Aracy de Almeida; “Os Quindins de Iaiá”, com Cyro Monteiro; “Risque”, com Linda Baptista; quer mais? Todos foram enormes sucessos em sua época e ajudaram a fazer a fortuna da Victor —agora controlada pela Sony. Se o departamento jurídico da Sony não souber quem foi Ary Barroso, vamos todos sentar no meio-fio e chorar. 

E não seria o caso de apenas os herdeiros de Ary Barroso estrilarem contra o erro na autoria de “É Luxo Só”. Os de Luiz Peixoto, fabuloso letrista de Ary neste e em outros sambas, também deveriam estar lá. 

Esse tipo de desinformação atinge até os canais oficiais. Um documento recente do Ministério da Cultura atribuiu a autoria de “Chega de Saudade”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, a João Gilberto, seu intérprete. Parece haver uma conspiração contra os direitos dos compositores, transferindo a autoria de suas músicas e letras para os cantores que eventualmente as gravaram. Essa injustiça acontece também nas rádios, na internet e no YouTube.

A querida Inezita era Barroso, mas não era parente de Ary. E nem sequer gravou “É Luxo Só”. 

ORG XMIT: 115601_0.tif Música: o compositor mineiro Ary Barroso. (Divulgação) - Divulgação


 

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