Para quem levou os primeiros séculos de vida sem dar um espirro, tenho ido muito a médicos nos últimos anos. A cada consulta, saio com receitas de remédios para mazelas que ainda não desenvolvi e de remédios para combater os efeitos colaterais de outros remédios que já sou obrigado a tomar. Com isso, em vez de dedicar-me a coisas mais agradáveis, como sair de mãos nos bolsos e chutando tampinhas pelas ruas do Rio, faço incursões-relâmpago a farmácias, até para ficar em dia com as novidades.
Podia ser pior. Fosse eu um cidadão dos séculos 16 e 17, seria um usuário da farmacopeia da época, a qual não se limitava às beberagens que os portugueses estavam trazendo de Lisboa. Havia também um farto receituário baseado nas ofertas da fauna e da flora brasileira, composto pelos nativos e logo adotado pelos colonizadores. Entre as receitas que encontrei em velhos documentos, eis algumas.
Para a sífilis, os antigos prescreviam carne de cobra em pó. Para verminose, raspas de chifre de veado. Para tuberculose, leite de jumenta ou cabra. Para anginas, pescoços de galo torrados e moídos. Para panarício, pasta de minhocas. Para resfriados, chás com xixi de gatos ou cachorros e pele de sapo ou lagartixa. E, para feridas várias, canja de enxúndia de galinha. O receituário contemplava também a calvície — pomada de gordura humana retirada de enforcados e esfregada no couro cabeludo. E até o excesso de lubricidade —antiafrodisíaco composto de água de alface, essência de rosas e sementes de papoula (padres e freiras que o tomavam passavam semanas sem sonhar com sexo).
Mas, ao pensar nos inocentes sapos, jumentas, cobras, minhocas, veados e galos abatidos para que chegássemos até aqui, eu me pergunto se esse sacrifício terá valido a pena.
Diante dos currículos, campanhas e declarações dos atuais candidatos à Presidência, a resposta é decididamente não.
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