Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

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Ruy Castro

A volta do curió

Eles são dois, não um. E, em suas gaiolas, sentem-se mais seguros do que na selva de Bolsonaro

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Em crônica do começo do ano (“À espera do curió"), lamentei que um curió da vizinhança, que toda manhã me acordava com seu canto, tivesse desaparecido. O motivo do lamento é que, tendo o Brasil se tornado um feudo de canalhas civis e fardados, ficava difícil para um cidadão abrir o olho e encarar o dia sem o apelo de um passarinho.

Por já ter escrito antes com empolgação sobre o dito curió, temi que minha descrição de seu assobio —“Fiu-firiu fiu-firiu, fiu-fiu fiu-fiu fiu-fiu” e, como coda, mais um “fiu”— tivesse atraído traficantes internacionais e, com isso, eu fosse culpado por mais esse desfalque na fauna nacional. Ou que o próprio curió, deprimido com o país, tivesse perdido a vontade de cantar. Informaram-me, então, que seu dono, porteiro do prédio em frente, fora visitar a família no Norte e o deixara com um amigo em Jacarepaguá.

Há dias, no entanto, ouvi-o de novo lá fora: “Fiu-firiu fiu-firiu, fiu-fiu fiu-fiu fiu-fiu —fiu!”. O curió estava de volta! Não vacilei. Apliquei a máscara, saí e fui conversar com seu dono e, pela primeira vez, ver o curió em pessoa.

Surpresa! Eles eram dois, não um! Dois machos, chamados Brandão e Dois de Ouros. Ao estágio em Jacarepaguá seguira-se a muda de penas, que, por quase três meses, os deixara acabrunhados e tristes —daí o silêncio. Mas, agora, de penas novas e ruflantes, seu concerto matinal estava mais sonoro e vibrante do que nunca. E, então, descobri que aquela frase musical era um dueto: Brandão fazia o duplo fiu-firiu inicial. Dois de Ouros emendava com o fiu-fiu fiu-fiu fiu-fiu, como uma chicotada, e Brandão voltava para o fiu final. Que nem Charlie Parker e Dizzy Gillespie!

Admito que os dois estavam em gaiolas, cada um na sua. Mas eram suas gaiolas natais. Imagino que, nelas, sintam-se mais seguros do que na selva de Jair Bolsonaro, como sabem seus infelizes irmãos da floresta.

Pássaro curió preto dentro da gaiola
Pássaro curió - Danilo Verpa/Folhapress

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