Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

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Ruy Castro

O biscoito fino

Uma das doces querelas que tornam Rio e São Paulo duas cidades separadas pela mesma língua

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Há dias, uma revista paulistana me pediu uma colaboração. Fazia tempo que não acontecia. Nos últimos dez anos, o mercado de revistas encolheu à quase extinção. Vários motivos: a crise, a pandemia, a superação do impresso por seu arremedo digital e o desestímulo (o Brasil de Bolsonaro não merecia páginas em quatro cores). As bancas de jornal (que Roberto Civita, com sua típica modéstia, se jactava de ter transformado em bancas de revista) passaram a vender chinelos, mochilas, bugigangas eletrônicas e farto sortimento de balas, batata frita e biscoitos. E foi isto que provocou o busílis: a palavra biscoito.

Numa passagem do texto, usei-a inadvertidamente. O editor da revista me perguntou, educadíssimo, se eu aceitaria trocar "biscoito" por "bolacha". Como se já não soubesse a resposta, perguntei por quê. Ele explicou que, como a revista tinha uma circulação basicamente local, o leitor poderia estranhar —em São Paulo diz-se "bolacha", não "biscoito".

Sei bem que "biscoito" por "bolacha" ou vice-versa é uma das doces querelas que, como diria Bernard Shaw, tornam Rio e São Paulo duas cidades separadas pela mesma língua. Sendo eu do Rio, pareceu-me natural escrever "biscoito", mas, sendo a revista paulistana, o certo seria sair "bolacha".

Antes de responder, pedi vista no processo e fui às fontes para investigar: as prateleiras dos supermercados cariocas. Conferi os rótulos das marcas tradicionais: Nestlé, Bauducco, Aymoré, Piraquê. Todos falavam "biscoitos". Como a fabricação desses produtos se dá quase sempre em São Paulo, pensei: haveria uma embalagem diferente para cada cidade?

Na dúvida, fui à literatura. Talvez os grandes autores tivessem feito uma opção. E encontrei a famosa frase de um escritor cuja palavra hoje ninguém ousa discutir: Oswald de Andrade. Ele escreveu: "A massa ainda comerá do biscoito fino que fabrico." Então, tá.

Como as diferentes partes do Brasil chamam a guloseima - Carla Romero/Folhapress

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