Sergio Firpo

Professor de economia e coordenador do Centro de Ciência de Dados do Insper

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Sindicatos fortes podem aumentar a eficiência econômica e reduzir desigualdades

A revogação da reforma trabalhista faria com que os sindicatos voltassem a ter papel secundário nas relações trabalhistas

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Críticos da reforma trabalhista de 2017 parecem acreditar que a sua simples revogação faria com que todos os direitos dos trabalhadores fossem magicamente reinstituídos. Nada mais longe da realidade. Esses direitos foram e têm sido sistematicamente violados. Temos convivido por décadas com quase metade da força de trabalho em regimes informais de trabalho.

Não é factível monitorar as relações de trabalho nas firmas pequenas, como as quase 2 milhões que possuem até cinco trabalhadores e que correspondem a algo como 70% das empresas. E a justiça do trabalho, por mais célere que seja e produtivos que sejam seus magistrados, recebia, antes de 2017, uma enxurrada de quase 4 milhões de novas ações todo ano, um décimo do estoque da mão de obra empregada com carteira.

Pois não se trata de termos todos os direitos no papel. Se as regras não forem bem desenhadas, os incentivos ao seu descumprimento permanecerão. A reforma não alterou uma lista enorme de regras que geram informalidade, como os elevados encargos sobre a folha de pagamentos; altos custos de demissão; apropriação de multas indenizatórias pelos trabalhadores; financiamento do seguro-desemprego descolado da rotatividade; valor do salário-mínimo impeditivo para a contratação de jovens com baixa qualificação; regimes especiais de tributação que limitam o crescimento orgânico das empresas (quanto maior ou mais antiga a empresa, menor a probabilidade de se contratar sem carteira); e o sistema de previdência e assistência social não contributivas.

A evidente violação dos direitos trabalhistas sempre foi a norma, infelizmente. Causa estranheza, portanto, que nesta semana a federação partidária reunindo PT, PCdoB e PV tenha registrado em cartório eleitoral o programa que pautará a candidatura do ex-presidente Lula à Presidência defendendo a revogação da reforma trabalhista de 2017. Isso ocorreu mesmo que Lula já tenha sido explícito, em mais de uma vez, que gostaria de rever apenas alguns de seus pontos, mas não de promover a sua revogação.

A defesa da volta ao passado não está apenas nas páginas do programa de Lula. Há duas instituições que preconizam a revogação completa da reforma de 2017: sindicatos e a justiça do trabalho.

Antes da reforma, os sindicatos dispunham de receitas certas via imposto sindical. A briga por esses recursos era grande. Ainda que o processo de abertura fosse moroso, devido à enorme e crescente demanda e ao uso de registros em papel, parecia ser um excelente negócio criar um sindicato.

O ex-presidente Michel Temer participa de jantar na Hípica Paulista, em São Paulo - Jardiel Carvalho - 10.dez.2021/Folhapress

Todos os trabalhadores com carteira de uma determinada categoria e região contribuíam obrigatoriamente para um único sindicato. Não havia escolha, nem de para qual sindicato contribuir, nem de quanto contribuir. O equivalente a um dia de trabalho por ano fluía para os sindicatos que nada precisavam fazer para justificar esses recursos, além de sua própria existência. Por conta da unicidade sindical, que precisa de emenda constitucional para ser abolida, os trabalhadores ainda não têm a escolha de para onde contribuir. Mas têm, graças à reforma, a opção de contribuir ou não.

Com sindicatos ricos, mas fracos ou ilegítimos, cabia à justiça do trabalho fazer todo o serviço de proteção dos direitos dos trabalhadores antes de 2017. Os magistrados tinham grande poder, e em algumas matérias, até mesmo o poder normativo. Essa situação gerava enorme incerteza jurídica para firmas e trabalhadores. Era como se o contrato de trabalho tivesse enormes partes em branco, que só eram preenchidas após a sua vigência, e por decisão judicial.

Houve uma mudança profunda com a reforma trabalhista, a qual oferece garantias jurídicas, antes inexistentes, ao que foi negociado entre as firmas e trabalhadores. A reforma abre a possibilidade, ainda inexplorada, de maior protagonismo sindical.

Contudo, para que os sindicatos, legitima e organicamente, representem seus associados e barganhem por melhores salários e condições de trabalho sem a tutela da justiça do trabalho seria necessária mais uma rodada de reformas. O protagonismo sindical só será alcançado quando cada trabalhador tiver a liberdade de se associar ao sindicato de sua predileção.

Sindicatos fortes, preocupados com a força de trabalho como um todo e não apenas com os formalmente ocupados podem vir a desempenhar importante papel em nossa economia. Eles teriam não apenas relevância distributiva, mas poderiam servir até mesmo como úteis instrumentos para se aumentar eficiência econômica. Quando as firmas têm claro poder no mercado de trabalho, sindicatos fortes podem ajudar a restabelecer salários e emprego a níveis compatíveis com o livre mercado.

Mas será que os sindicatos estão dispostos a desempenhar esse papel de liderança e aproveitar a oportunidade que se abriu com a reforma trabalhista? Ou insistirão pela sua revogação, voltando ao seu papel de coadjuvante e esquecendo-se da outra metade da força de trabalho, que permanece informal ou desempregada?

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