Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Para o Ano-Novo ser feliz

O voto tradicional está em crise, mas tem uma chance de não soar vazio

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Feliz Ano-Novo? Eu e muita gente que eu conheço temos tido uma dificuldade inédita de articular essas palavras.

Alguns dirão que o fenômeno já tem tempo, vem desde o momento impreciso em que a esperança passou a se confundir com ingenuidade ou conformismo. Ou desde 2018, quando o país defecou pelas urnas.

Pode ser. Mesmo assim, desta vez o troço ficou grave, o que é meio estranho. Deveria ser fácil pronunciar o que, afinal, é só um daqueles clichês de sociabilidade que pessoas educadas trocam nas encruzilhadas da vida: bom dia, boa viagem, obrigado pelo seu tempo, meus sentimentos.

No mínimo, com duas moedas —feliz e ano-novo— ou três —feliz, ano e novo—, compramos baratinho uma fachada positiva diante da vida, e vamos em frente.

Debater nessa hora o que se entende por felicidade denotaria a mesma falta de noção do sujeito que, em resposta a um “tudo bem?”, recita o livro de Jó.

E no entanto o Feliz Ano-Novo nunca arranhou tanto para sair da garganta. Talvez seja mais um sintoma da doença que botou o mundo na UTI e fez de 2020 o ano mais triste e exaustivo de nossas vidas —tão triste e exaustivo que a alegria de ter sobrevivido a ele não é crédito suficiente para evitar que o simpático voto adquira um ar canalha de cheque sem fundo.

Quem sabe o problema seja o sentimentalismo que foi se grudando na expressão ao longo do tempo. Sobretudo em épocas mais autorizadas ao otimismo, quando se esperava que as novas gerações vivessem melhor que as anteriores e não, como hoje, o contrário.

Foram tantos textos piegas, tantos sorrisos radiantes, tantas câmeras lentas e tantos jingles entoados por corais de bata branca que, já há algum tempo, basta o abracadabra do Feliz Ano-Novo e o lixo pop da esperança empacotada se materializa à nossa frente. A diferença é que, desta vez, ele parece zombar de nós.

Claro: 2020 sabe muito bem que, há meros 366 dias, também foi recebido com a enxurrada habitual de votos de Feliz Ano-Novo. Deu no que deu —que credibilidade pode restar à velha fórmula?

Sentimentalismo à parte, na mais sóbria das contabilidades, o ano que começa amanhã leva pelo menos duas vantagens sobre o que termina hoje. A primeira é que a pandemia de Covid-19 não vai nos pegar desprevenidos, de tocaia, à traição.

Convenhamos que é de um mau gosto profundo isso de, do dia para a noite, obrigar todo mundo a se debater pela vida, pela subsistência, por formas radicalmente novas de convivência —por um mínimo de sanidade.

O governador João Doria acompanha a chegada da sexta remessa da vacina Coronavac no aeroporto de Guarulhos
O governador João Doria acompanha a chegada da sexta remessa da vacina Coronavac no aeroporto de Guarulhos - Zanone Fraissat/Folhapress

É verdade que 2021 também será pautado pela pandemia, mas agora pelo menos estamos avisados. E aí entra a segunda e principal vantagem, a luz brilhante que já se vê no fim do túnel, chamada vacinação em massa.

No Brasil, por razões de incompetência desvairada e psicopatia política em graus raramente vistos na história —numa palavra, bolsonarismo—, os resultados da segunda vantagem de 2021 podem começar a chegar só em 2022. Paciência. Abraçar o atraso é assim mesmo —atrasa.

Mas vamos esquecer por um instante que estamos num país chamado Brasil em momento tão deprimente de sua história. Há boas razões para imaginar que, na maior parte do planeta, o novo ano será mais feliz do que essa desgraça que hoje finda.

Aqui, se ele for o do início da construção de um caminho político para fora do esgoto —ainda parece difícil que seja—, aí, e só aí, merecerá ser chamado de Feliz Ano-Novo.

A coluna volta em fevereiro. Até lá!

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