Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Sérgio Rodrigues
Descrição de chapéu Natal

Vai, Carlos, ser coach na vida!

Brasil não entende, mas está inteiro nos versos natalinos de Drummond

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Fux you, Carlos! Quem mandou escrever palavras tão afiadas, tão eternas, disfarçadas mineiramente de simplicidade e cheias de ironia diante da grandeza, o que só torna tudo ainda maior?

Perdeu, Carlos. No país que chega todo estropiado ao fim deste ano da peste, seu legado se dissolve no ácido da autoajuda rastaquera, do coaching fuleiro, da banalidade emproada e perucosa: "Recomeçar é dar uma nova chance a si mesmo..."

Isso da falsa autoria na internet bota a gente intrigado como o diabo, Carlos. Talvez as Clarices burrinhas, os Verissimos grosseirões, os Saramagos piegas, os Borges analfabetos e os Machados lobotomizados lhe sirvam de consolo --o Drummond pateta tem boa companhia.

No entanto, nenhum desses seus ilustres colegas jamais foi citado em vão por tão alta autoridade na hierarquia pátria. Que nossos medalhões costumam ser ocos, adeptos da erudição ornamental, isso já sabíamos. Mesmo assim, double Fux com bacon e salada, Carlos!

Na furiosa fábrica de memes distópicos em que o Brasil se transformou, absurdos e tristezas andam tão fartos que a gafe (vamos chamar assim) do presidente do STF nem mereceria ser lembrada aqui, tantos dias depois de cometida.

Menos ainda, dirão alguns, na véspera do Natal, quando deveríamos nos dar as mãos e perdoar, enchendo nossos corações de esperança, coisa e tal.

Tentei, poeta. Também achei que seria de mau gosto apontar de novo ao leitor sofrido o que ele está exausto de saber --que o Brasil virou um país inteiramente demente, dividido entre a alucinação e o luto.
Em busca de inspiração, fiz o que Fux deveria ter feito: abri um livro seu. Calhou de ser o primeiro que você publicou, "Alguma Poesia", no qual há um poema chamado "Papai Noel às avessas", do qual eu tinha me esquecido.

Difícil entender essa falha de memória. "Papai Noel entrou pela porta dos fundos/ (no Brasil as chaminés não são praticáveis),/ entrou cauteloso que nem marido depois da farra."

O que acontece aqui? Só vamos entender o sujeito sorrateiro ao vê-lo afanar os brinquedos das crianças adormecidas, "soldados mulheres elefantes navios/ e um presidente de república de celuloide".

Papai Noel joga os brinquedos num lenço vermelho, faz uma trouxa e vai embora pela mesma porta dos fundos por onde entrou. O verso final é um escândalo: "Na horta, o luar de Natal abençoava os legumes".

Tendo lido isso, como passar pano na superfície turva das coisas para tirar delas um brilho falso? Melhor reconhecer que Papai Noel é ladrão de futuros e que nosso país é vítima de um analfabetismo literário tão denso que até sua elite, ou uma grande parte dela, ignora a diferença entre seu maior poeta e um legume.

Depois dessa, os 37% de aprovação ao abominável "presidente de república de celuloide", aliado número 1 do vírus no mundo, ficam mais compreensíveis. Feliz Natal --e não se esqueçam de trancar a porta dos fundos.

*

Três leitores, todos jornalistas, me escrevem para contar que esbarraram com a palavra "passaralho" antes de 1974, ano em que Joaquim Campelo a transformou em verbete cômico, conforme relatei na semana passada. Há até quem situe o termo nos anos 60. Sendo assim, e enquanto a investigação não avança, fica combinado que Campelo foi apenas dicionarista --e não inventor-- quando aprisionou o passaralho na gaiola.

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