Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Sérgio Rodrigues

Salnorabo e os nomes do inominável

Por que tanta gente chama por apelidos o pior presidente da história

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Salnorabo não é um anagrama perfeito de Bolsonaro. Trocando de lugar as letras do nome do (fazer o quê) presidente da República, uma das possibilidades combinatórias é Solnorabo. A transformação de "sol" em "sal" pode ser considerada uma licença poética.

Por meio dessa licença, o que poderia sugerir algo até agradável, evocando uma praia de nudismo ou coisa parecida, ganha conotações francamente bizarras e dolorosas. Aviltantes? Bem, a ideia é essa mesmo.

Trata-se de um entre tantos apelidos inventados pelos brasileiros que, entojados, evitam enunciar o nome do pior chefe do Executivo que o país já teve —recorde de ruindade elevado dia a dia, à medida que a derrota nas urnas se torna mais provável e um golpe armado, sua única possibilidade de escapar da cadeia.

Presidente Jair Bolsonaro
Meu apelido preferido para Salnorabo é Salnorabo - Adriano Machado - 18.jul.22/Reuters

Se a opção por chamar Salnorabo de Salnorabo soa um tanto infantil, é porque é mesmo. Mas não necessariamente no sentido da puerilidade, e sim no de algo que remete à infância da espécie.

A crença no poder evocatório das palavras já tornou o nome de Deus, expresso pelo tetragrama YHWH, impronunciável na tradição hebraica. No caso, o tabu preservava o sagrado.

A interdição de um nome também pode cumprir papel oposto. Basta ver a grande quantidade de apelidos que tem o diabo na linguagem popular, eufemismos e circunlóquios destinados a apontar o Rabudo sem o risco de evocar seus poderes satânicos.

Para ficar apenas com a pitoresca lista trazida por Guimarães Rosa em "Grande Sertão: Veredas": o Arrenegado, o Cão, o Cramulhão, o Indivíduo, o Galhardo, o Pé-de-Pato, o Marrafo, o Pé-Preto, o Canho, o Dubá-Dubá, o Rapaz, o Tristonho, o Não-sei-que-diga, O-que-nunca-se-ri, o Sem-Gracejos...

No mundo ficcional de Hogwarts, Harry Potter e sua turma evitam articular a palavra Voldemort. Não por acaso, o nome do grande mago do mal criado por J.K. Rowling foi proposto esta semana por Anitta como apelido de Salnorabo.

A Lula, que a cantora declarou apoiar, coube o papel do velhusco e bondoso Dumbledore. Vale registrar que também o líder nas pesquisas é chamado pelos opositores —sobretudo os salnorabistas— por apelidos pejorativos como Nove Dedos, Nine, Molusco e Luladrão.

Se tradicionalmente o tabu do nome tem por base a crença no poder mágico das palavras, deve-se reconhecer que esse poder ganhou uma concretude inédita no mundo dos algoritmos. Escrever um nome nas redes, mesmo que para criticá-lo, é contribuir para sua ocupação de espaços digitais.

Embora seja de longe, como se vê, meu apelido preferido para Salnorabo, Salnorabo (18.300 páginas no Google) perde feio num campeonato de pontos corridos para opções menos sutis como Bostonaro (60.600) e Boçalnaro (47.700), entre outras.

Biroliro, Bonoro, Bolovo, Bonossauro, Bolsomico e, claro, o campeoníssimo Bozo, nome de palhaço, engordam a lista. Creio que um vocabulário tão prolífico seja novidade no mundo da política —típico das redes sociais, talvez?

Seria preciso investigar melhor. O fato é que, guardadas as devidas proporções de malignidade, um péssimo presidente como Fernando Collor era xingado à beça, mas não me lembro de seu nome ser evitado de tantas formas.

Claro que, com todos os seus defeitos, Collor nunca convocou embaixadores estrangeiros para anunciar que o Brasil é uma republiqueta governada por um criminoso que não hesita em humilhar o país para salvar o próprio pescoço. Isso, só Salnorabo mesmo.

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