Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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A mão que nos aperta a garganta

Outubro de angústia terminará com a eleição mais importante da história

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Bem, bem, ninguém está. Não no Brasil, não neste outubro pesado e lento em que o futuro próximo —um dia 30 que nunca chega— nos mantém agarrados pelo pescoço, dificultando a respiração.

O latim clássico tinha um verbo para isso: "angere", apertar, comprimir, estrangular. É nele que fomos buscar as palavras angústia e angina —a primeira um aperto moral na garganta, a outra um nó literal na glote.

Também o substantivo ansiedade brotou da mesma fonte, mas com escala no latim tardio "anxia". Em comum, os descendentes de "angere" têm esta ideia: a dificuldade de respirar que certos males provocam.

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Vai dar Lula ou vai dar Bolsonaro. Haverá festa de um lado, luto do outro - AFP

Esses males podem ser do corpo, causando sufocamento literal, como o que levou à morte quase 700 mil brasileiros na pandemia e inspirou Jair Bolsonaro a imitar jocosamente uma pessoa agonizante.

Também podem ser da alma, quando o oxigênio que falta é a esperança —efeito que teve sobre milhões ver seu presidente zombar dos agonizantes em meio à maior tragédia sanitária de nossa história.

Se ninguém está bem, como foi dito, as aflições são de dois tipos bem diferentes. Os eleitores do incumbente sofrem por se verem atrás na disputa, correndo o risco de que o "mito", depois de removido da cadeira, responda enfim por seus graves crimes.

Isso quer dizer que os eleitores do desafiante estão bem? Claro que não! Estes têm perdido o sono e o apetite, roendo unhas e, dizem, até pés de mesa —e não necessariamente por pessimismo com a corrida eleitoral.

É que a possibilidade de uma derrota de Lula, que talvez não seja grande, está longe de ser nula. Isso basta para apavorar quem preza a democracia, um regime ainda pouco maduro em nosso país. Bolsonaro já deixou claro que, uma vez reconduzido, o botará abaixo como se ele fosse uma floresta amazônica qualquer.

Não se pode dizer que a angústia provocada pela possível reeleição do presidente seja um exagero. Os arautos da "normalidade" gostam de lembrar que, se isso ocorrer, terá sido pela vontade da maioria dos eleitores.

Ainda que o raciocínio deixe de levar em conta as condições anormais e corruptas —e até agora impunes— em que a máquina governamental foi usada na campanha, inclusive com um bilionário Bolsolão, admita-se que sim, que venha a ser essa a vontade da maioria.

Isso não traz nenhum alívio a quem, com razões de sobra, enxerga em tal caminho uma escolha perversa que acabará por transformar o Brasil num país desolador, uma autocracia evangélica de extrema direita sequestrada pelo crime organizado.

Sendo tão descomunal o que está em jogo, fica difícil negar que a eleição do próximo dia 30 seja a mais importante da história brasileira. Nenhuma surpresa que a manopla de aço do futuro próximo nos aperte o pescoço com mais força do que nunca.

A boa notícia é que isso vai passar. Na arte narrativa, contadores espertos sabem que, diante de encruzilhadas decisivas desse tipo, há uma forma de garantir que o aperto na garganta do leitor ou espectador seja eterno. Basta terminar a história antes.

É cruel, mas funciona. Vida ou morte? Você decide. Para isso terá a eternidade, depois do ponto final.

Não será esse, para o bem ou para o mal, o desfecho de nosso outubro de angústia. Vai dar Lula ou vai dar Bolsonaro. Haverá festa de um lado, luto do outro —de todo modo, um desfecho.

A manopla de aço soltará nossos pobres pescoços, e voltaremos a respirar. Se o ar será respirável, é cedo para dizer.

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