Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Sérgio Rodrigues
Descrição de chapéu Eleições 2022

No primeiro turno é mais justo

Acidente prestes a ser superado, Bolsonaro é o zero absoluto do espírito

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Quatro anos atrás, com a vitória de Jair Bolsonaro praticamente selada segundo todas as pesquisas, escrevi neste espaço um texto emocionado com título sentimental: "Meus queridos bolsonaristas".

Nele pedia a parentes e amigos dispostos a votar 17 que pensassem bem antes de se comprometerem pessoalmente com "tanto ódio e tanta dor".

Se a vitória da extrema direita era certa, eu queria evitar que gente amada fosse cúmplice da "derrapada que, tudo indica, vai machucar bastante o Brasil na próxima curva".

Esses ferimentos o texto prognosticava com o que se revelaria um grau de acerto bastante razoável, ainda que a realidade dos anos seguintes tenha conseguido ser pior.

O presidente Jair Bolsonaro fala e gesticula durante debate
O presidente Jair Bolsonaro é uma vergonha para o Brasil de cabo a rabo - Miguel Schincariol - 24.set.22/AFP

Muita coisa mudou desde então. Hoje, com a derrota de Bolsonaro praticamente selada segundo todas as pesquisas, não me dirijo aos "meus queridos bolsonaristas" por uma razão simples: eles não existem mais.

Seria provavelmente injusto supor que os 30% de eleitores que continuam com Bolsonaro tenham, todos eles, a consciência de subscrever suas políticas de destruição e morte.

Nem todos devem saber que endossam o extermínio de negros e indígenas, a exclusão dos pobres, a humilhação das mulheres, a homofobia, a devastação ambiental, o milicianismo, a lei do mais forte, o desprezo à arte e à cultura.

Muitos sabem, claro. E vibram. Mas é legítimo imaginar um contingente de pessoas distraídas ou mal preparadas para interpretar o complexo mundo de hoje. Jair é também um marcador das nossas falências.

Mesmo assim, depois de todo o mal que ele fez e de todo o bem que abdicou de fazer, quem ainda não se bandeou para o lado de cá, o do antibolsonarismo, já não pode ser uma "pessoa querida".

Do lado de cá há uma turma eclética que os bolsonaristas, em seu delírio e sua burrice, chamam de "comunistas". Na vida real, e apesar da ausência de Ciro Gomes, uma frente ampla pró-democracia.

Tem gente de esquerda, mas também liberais e conservadores de carteirinha —conservadores de verdade, não reacionários que louvam a família enquanto obrigam crianças estupradas a parir e empurram o filho gay para o suicídio.

Acidente que o país está prestes a superar, Bolsonaro é um molambo, moleque de recados do reacionarismo peçonhento que dorme em berço esplêndido na alma nacional —e, de vez em quando, para nossa desgraça, acorda com fome.

Fascistoide em cada uma de suas fibras frouxas, é também um homem que deixa evidente no olhar assustadiço e na fala vacilante que não tem estatura moral sequer para ser o herói invertido —ou seja, o vilão absoluto— que o fascismo exige.

É diminuto, um ex-deputadinho histriônico e rachadista, bajulador de torturadores, tiranete acidental. Uma vergonha para o Brasil de cabo a rabo: vergonha gigante para a esquerda, que um dia se deixou derrotar por ele, e vergonha maior ainda para a direita, que por ele se deixou montar.

Bolsonaro é o zero absoluto do espírito, o grau em que as virtudes viram perebas, o conhecimento apodrece, a compaixão se joga debaixo do ônibus, a luz é sugada pelo breu, o amor azeda em ódio. Ah, mas isso não passa de retórica barata? Verdade, não passa mesmo. A realidade é pior.

Que essa caricatura de ser humano tenha se tornado presidente do Brasil é um vexame eterno que seu provável fracasso em se reeleger jamais dará conta de mitigar, por mais que tenha sabor de justiça.

Que ao menos seja no primeiro turno, pelo amor de Deus.

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