Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Apesar de condenado, jargão corporativo tem vida própria

E é ingenuidade pensar que o problema está com os seus dias contados

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A "dor do mercado", tema da última coluna, não deve ir embora tão cedo. Uma pesquisa que acaba de ser divulgada, feita com 8.000 pessoas de oito países –inclusive o Brasil–, atesta a força do jargão corporativo mundo afora.

O estudo foi encomendado por duas empresas de referência no universo digital: Linkedin, rede social voltada para o mundo do trabalho, e Duolingo, aplicativo de ensino de línguas. Além do Brasil, o trabalho incluiu EUA, Reino Unido, Austrália, Índia, Colômbia, Japão e Vietnã.

A onipresença de um código cifrado em ambientes de trabalho e o predomínio do inglês em seu vocabulário não surpreendem ninguém, mas o estudo flagrou aspectos menos óbvios do fenômeno que transforma "rapidinho" em "asap".

A maioria das pessoas expostas ao corporativês –57% na média dos oito países– acha que ele provoca perda de tempo, mal-entendidos e retrabalho no dia a dia. Só uma minoria não gostaria de eliminá-lo ou reduzi-lo.

Um número ainda maior, 60%, se queixou de falta de apoio para aprender a "língua da casa" após a contratação. Jargão é assim: serve tanto para reforçar laços entre os que estão dentro do seu círculo de sentido quanto para barrar os de fora. Cada um que se vire para entrar.

Se combater o corporativês interessa em tese às empresas, pois aprimorando a comunicação entre os membros de suas equipes elas obteriam –é o que a pesquisa aponta– ganhos significativos de produtividade, seria ingenuidade concluir que o problema tem seus dias contados.

Mulher olha para fundo preto onde há várias bocas fazendo expressões diferentes
Catarina Pignato

Nada menos de 64% dos entrevistados afirmam saber que o domínio desse patoá é importante para a ascensão profissional. Mesmo os incomodados com os excessos da parolagem acabam tendo mais incentivo para aprendê-la do que para lutar contra ela.

Outra descoberta do estudo é uma diferença geracional no modo de lidar com o corporativês. Curiosamente, os jovens se incomodam mais com ele, enquanto quem tem acima de 40 e poucos anos tende a ser mais complacente. Eis uma esperança de dias melhores.

A pesquisa listou ainda as cinco palavras ou expressões que, segundo os entrevistados, provocam mais incompreensão em cada um dos países. No caso do Brasil, "feedback" ficou no topo da lista, seguida de "networking", "asap", briefing" e "brainstorm".

Entre todos os países pesquisados, a lista brasileira é a que se compõe de palavras mais, digamos, simples, batidas, já com muitos anos de rodagem —exceção feita à ridícula sigla "asap" de "as soon as possible", ou seja, o mais cedo possível. Esta nunca vai se aclimatar.

O fato de tantos brasileiros tropeçarem em "feedback" deveria nos servir de alerta. Este é um país com índices catastróficos de analfabetismo funcional, em que até um equivalente vernacular como "resposta, retorno ou avaliação" tem grande chance de provocar mal-entendido.

Fica então o briefing para os gênios corporativos: fazer um brainstorm em busca de um modo de trazer todos os seus funcionários para a mesma página no fim do dia. Asap!

Antonio Prata me chamou em sua última coluna de "democrata radical da linguagem", alguém que acolhe de braços abertos todas as novidades linguísticas que o povo cria. Agradeço ao ilustre colega pela leitura e pelas palavras gentis, mas a verdade é que não sou tão nobre. "É sobre" tem me provocado coceira literal —no sentido literal da palavra literal, o que é pior! Democrata também é gente.

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