Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

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O legado de 2021 é o desafio de 2023

Quem ganhar a eleição terá de reconstruir a confiança e fortalecer a governabilidade

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No último Boletim Focus do ano passado, a previsão do mercado para este ano indicava inflação em 3,3%, Selic em 3%, dólar em R$ 5 e crescimento de 3,4%. Este último indicador é o único com desempenho melhor do que o esperado (cerca de 4,8%), favorecido pela baixa base de comparação de 2020. No entanto, a economia já dá sinais de estagnação e muito provavelmente entrará em recessão no ano que vem.

O IPCA de 2021 fechará em torno de 10%, a Selic, em 9,25%, e o câmbio beira R$ 5,60.

Juros altos, inflação elevada e câmbio depreciado apontam para um 2022 complicado. Neste ano, perdemos o que há de mais importante para o bom desempenho da economia —credibilidade fiscal e monetária— e, ao mesmo tempo, expusemos o fracasso do atual arcabouço político. As consequências virão não só em 2022 mas afetarão sobremaneira 2023.

Sede do Banco Central, em Brasília - Yasuyoshi Chiba - 7.mar.2012/AFP

Do lado fiscal, não faltam exemplos dos retrocessos. A manobra para aumentar o valor e o público-alvo do antigo Bolsa Família custou a confiança da nossa única âncora fiscal, o teto de gastos.

O novo programa foi criado sem fonte de recursos, ferindo o cerne da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), não trouxe melhoria significativa do sistema de proteção social (que poderia ser buscada através da fusão do Bolsa Família com programas sociais ineficientes) e mantém programas com baixa capacidade de redução da pobreza. Como se não bastasse, a decisão de adiar o pagamento
de parte dos precatórios para abrir espaço no teto foi vista como calote e aumentou a percepção negativa do risco-país.

Já a aprovação do Orçamento do ano que vem, com uma dotação subestimada para as despesas obrigatórias, enterrou de vez qualquer resquício de confiabilidade na peça orçamentária. Esta nasce até com altas chances de ser contingenciada, pois a reserva de apenas R$ 1,7 bilhão para o reajuste salarial
incentivou diversas categorias a pressionar por aumento, o que muito provavelmente levará a um acréscimo desse valor.

Nos próximos dias, ainda teremos as discussões sobre o novo programa de microcrédito com participação dos bancos públicos. Tudo ocorre como se as últimas experiências com subsídios ao crédito não tivessem resultado na necessidade de capitalização desses bancos (fora do teto) e no aumento da dívida pública.

Paralelamente, é provável que ocorra sanção do projeto que prorroga a desoneração de 17 setores da economia sem previsão orçamentária.

Uma saída aventada é o envio de um crédito extraordinário —também fora do teto. Definitivamente, teto de gastos, meta de primário, Lei de Responsabilidade Fiscal e Orçamento viraram "peças de ficção".

Do lado monetário, o BC (Banco Central) tenta retomar a credibilidade comprometida ao longo do ano. A alegação de que "a inflação é transitória" não era irracional no início do processo de alta mais
acelerada dos preços, mas se tornou duvidosa a cada mês que passava e a inflação permanecia alta.

Certamente, tivemos inúmeros choques de oferta, mas o fato é que estes se espalharam para os demais preços, contaminando as projeções de médio prazo. Ao mesmo tempo, taxas de juros extremamente expansionistas foram mantidas por um longo período sob a alegação de que a inércia inflacionária e o repasse cambial eram baixos.

Diante do estrago fiscal e da desancoragem das expectativas de inflação, o BC atua para reverter esse cenário e promete manter a Selic em níveis significativamente restritivos, mesmo em face da desaceleração do PIB. No entanto, o custo da perda da âncora monetária será alto, e ele não pode
ser atribuído apenas ao desarranjo fiscal.

Por fim, o ano de 2021 expôs a falência do presidencialismo de coalizão. O sistema que definia a postura disciplinada dos parlamentares em razão da distribuição discricionária de recursos, baseado em acordos entre o Executivo e os líderes partidários, desmoronou.

As chamadas "emendas do relator" tornaram a liberação dos recursos uma prerrogativa dos presidentes da Câmara e do Senado, gerando um comportamento errático dos parlamentares e enfraquecendo a coesão das bancadas. "Desconstitucionalizar" tais emendas ficou praticamente impossível, o que coloca em risco a agenda do próximo governo.

O debate eleitoral promete ser polarizado, oferecendo pouca visibilidade no âmbito da retomada da credibilidade fiscal e monetária, ou mesmo apresentando a viabilidade política de reformas tão caras ao crescimento. Quem ganhar a eleição enfrentará o desafio de reconstruir a confiança e fortalecer a governabilidade. Do contrário, os custos para colocar a economia em ordem serão altíssimos.

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