Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

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Erros que podem ser evitados são os piores

PEC traz à tona conceitos que se mostraram ineficazes diversas vezes no nosso passado

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O ano de 2022 chega ao fim, e o cenário para 2023 permanece duvidoso. Como no começo de qualquer governo, é natural que o momento seja de mudanças. Ainda assim, o grau de incerteza atual é muito maior do que o de outras transições, principalmente depois que a PEC que retira o Bolsa Família do teto de gastos por quatro anos foi protocolada.

Enquanto o país espera as diretrizes das políticas públicas mais relevantes do próximo governo, o que temos até agora é um pedido de suspensão do arcabouço fiscal vigente sem nenhuma indicação de como não nos tornaremos um país insolvente. Não são poucos os exemplos históricos de escolhas políticas equivocadas, muitas vezes previsíveis, com graves implicações a longo prazo —erros que podem mudar o futuro de um país, algumas vezes de forma definitiva.

O brexit, por exemplo, foi uma péssima escolha política, de consequências econômicas previsíveis e dificilmente reversíveis. A retirada do Reino Unido da UE (União Europeia) teve um impacto bastante adverso não apenas no comércio de bens e serviços mas também na inflação, na taxa de desemprego, nos investimentos e nas perspectivas de crescimento potencial da economia britânica. O Office for Budget Responsibility estima que o Reino Unido vá ter sua produtividade de longo prazo reduzida em 4% se comparada com a que teria se tivesse permanecido na UE.

Presidente eleito Luiz Inacio Lula da Silva durante encontro em Lisboa, em Portugal
Presidente eleito Luiz Inacio Lula da Silva durante encontro em Lisboa, em Portugal - Rodrigo Antunes - 18.nov.2022/Reuters

A Guerra da Ucrânia é outro exemplo de escolha política cujas implicações econômicas para os diversos desfechos possíveis eram, em algum grau, mensuráveis. Embora a resistência da Ucrânia e o apoio do Ocidente talvez não fossem previsíveis, essa possibilidade apresentava consequências extremamente negativas.

Agora, a Rússia, que um dia fez parte do chamado Brics, além de ter sua economia devastada com destruição do seu capital físico e fuga do capital humano, terá muito pouca relevância global nos próximos anos.

Na China, a preferência por não imunizar a população idosa culmina agora em um desempenho econômico muito abaixo do esperado e protestos contra o governo de Xi Jinping. A política de Covid zero, única no mundo, foi adotada em um momento em que o país já enfrentava muitos desafios estruturais: desaceleração do crescimento potencial devido à deterioração demográfica, setor imobiliário em contração, ineficiências na alocação de crédito e desemprego alto. Nesse contexto, a China começa a ser questionada se permanece sendo um país "investível" a curto prazo.

Já no Brasil, é comum não só que erros previsíveis se repitam mas também que políticas várias vezes testadas e fracassadas continuem sendo vistas como "solução", como bem descreveu Marcos Mendes e outros autores no livro "Para Não Esquecer: Políticas Públicas que Empobrecem o Brasil".

A PEC da Transição traz à tona dois conceitos que se mostraram ineficazes diversas vezes no nosso passado. O primeiro é que a expansão do gasto público pode ser autofinanciável, e o segundo refere-se à crença de que o possível crescimento econômico gerado pela expansão fiscal é sustentável e resolverá definitivamente nossa desigualdade social.

A ideia de que podemos gerar um ciclo virtuoso, em que mais gastos financiados por mais dívida ampliam a oferta agregada, a renda das famílias e o consumo —originando maior crescimento e arrecadação e trazendo sustentabilidade para as contas públicas—, foi colocada à prova várias vezes, em especial no período entre 2013 e 2015, quando culminou na mais profunda recessão de nossa história depois de 1930. O aumento do risco fiscal e a alta dos juros reais só foram revertidos quando ficou claro que teríamos um arcabouço crível, materializado com a aprovação do teto de gastos.

Já a concepção de que o crescimento estrutural pode ser produzido com políticas cíclicas, como aumento de despesas e subsídios em vez do foco na produtividade, tornou o Brasil um país bem diferente da Coreia do Sul, que, com orçamento equilibrado, abriu sua economia, fez política social com foco e educou sua população em duas gerações.

Errar hoje será mais custoso. O cenário internacional é de menor crescimento e liquidez, nossa dívida pública é bem mais alta, e passamos as últimas décadas desperdiçando crescimento. Em um mundo repleto de erros sendo cometidos, o Brasil era visto como a "bola da vez". Somos um produtor relevante de commodities, com vantagens na inevitável transformação energética, enorme mercado consumidor e sem problemas geopolíticos. Só precisamos parar de repetir equívocos que já nos custaram muito.

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