Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

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Descrição de chapéu Banco Central Selic juros

Quando testar a autonomia do BC é flertar com a dominância fiscal

Sem mecanismos de freio fiscal, inflação passa a ser a solução do problema da solvência

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Passadas quase três semanas da eleição, ainda não temos definição de quem será o ministro da Economia nem pistas sobre propostas de como reconstruiremos uma regra fiscal crível que possibilite a estabilização da dívida pública. Ademais, não temos, até o momento, sinais de que organizaremos o Orçamento de 2023 com base na responsabilidade fiscal.

Diante desse cenário, os ativos financeiros reagiram negativamente —o Ibovespa despencou, o real depreciou e juros futuros dispararam—, na contramão do mercado externo, que se apresenta mais favorável depois de um alívio na inflação americana e de notícias mais positivas vindas da China.

Sede do Banco Central, em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress

Mesmo os estrangeiros, em sua maioria mais confiantes com o país, começaram a questionar a sensatez de trazer mais incertezas no começo de um governo que prometera credibilidade, previsibilidade e estabilidade e como isso tenderia a atrapalhar o trabalho do Banco Central.

Até o dia das eleições, era esperado que o Brasil fosse um dos primeiros países a iniciarem o ciclo de queda dos juros, mesmo com a atividade forte. Já não estamos mais nessa "fila". Com a permanência da sensação de falta de âncora fiscal crível, é mais provável que o próximo movimento da curva de juros futura seja precificar uma alta nas taxas para o começo do ano que vem.

Não é novidade que a política fiscal interfere na monetária. O primeiro canal é o da demanda agregada —um novo estímulo fiscal em uma economia que está sem capacidade ociosa e com núcleos de inflação bem acima da meta exige juros mais restritivos. O segundo é o da perda do equilíbrio fiscal, que gera aumento do prêmio de risco, depreciação cambial e desancoragem da inflação. Há ainda o canal de uma política parafiscal agressiva, com o uso intensivo do BNDES e de bancos públicos para subsidiar o crédito, que diminui a potência da política monetária.

A preocupação do BC já está presente em sua comunicação faz tempo e foi reforçada na ata da mais recente reunião do Copom, através de dois alertas: "O comitê avalia que o aumento de gastos de forma permanente e a incerteza sobre sua trajetória a partir do próximo ano podem elevar os prêmios de risco do país e as expectativas de inflação" e "notou a maior sensibilidade dos mercados a fundamentos fiscais (...) concomitante ao aperto das condições financeiras, [o que] inspira maior atenção para países emergentes".

Pela primeira vez em nossa história, haverá alternância do Poder Executivo com o BC autônomo. Aliás, esse é o único fator estabilizador neste momento. Sem a aprovação da lei complementar nº 179, especulações sobre a nomeação do novo presidente do BC certamente trariam mais volatilidade, com a incógnita quanto ao rumo da política monetária se somando à incerteza fiscal.

É verdade que a inflação brasileira caiu de forma relevante nos últimos meses —ainda que em grande parte pela redução de impostos—, trazendo menor inércia para 2023. Também já vemos uma incipiente melhora qualitativa da inflação. Mas, se mesmo sem uma crise de confiança já seria desafiante ter alguns componentes da inflação, como os serviços, desacelerando em meio a uma economia turbinada por estímulos fiscais, com crise esse cenário fica difícil de acontecer.

Quando a âncora fiscal de um país é perdida, as expectativas de inflação se desancoram completamente e, ainda que a desorganização fiscal resulte em recessão, o resultado mais provável é um processo de aumento da inflação.

Se o BC se vir obrigado a reagir à perda da âncora fiscal, subindo os juros, caminharemos para um processo de dominância fiscal.

No momento em que o BC sobe os juros para tentar conter a inflação, o gasto público adicional torna mais alta a inflação necessária para estabilizar a dívida pública. Isso porque —sem mecanismos de freio fiscal— a inflação passa a ser a solução do problema da solvência.

Primeiro, por aumentar o PIB nominal, que entra no denominador da relação dívida/PIB; e, segundo, por causar alguma melhora no resultado primário, já que as receitas são mais indexadas que as despesas.

Um ciclo vicioso de aumento do prêmio de risco e da inflação torna a política monetária sem eficácia e passageira do processo dominado pelo problema fiscal.

Vivemos uma situação parecida em 2015, mas a diferença atual é que temos um BC com credibilidade e que acaba de conquistar sua autonomia formal. Se a escolha de política econômica do novo governo nos colocar em dominância fiscal, o BC terá de agir sem titubear, inclusive para não restarem dúvidas de que essa instituição possui autonomia de fato, não apenas na lei.

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