Auxílio Brasil fora do teto para sempre: 4 pontos da PEC da Transição sugerida pelo novo governo Lula

Equipe do petista se mobiliza para encontrar formas de cumprir promessa de campanha

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Leandro Prazeres
Brasília | BBC News Brasil

O governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda não começou de fato, mas boa parte da sua equipe de articuladores e negociadores políticos está gastando os últimos dias para aprovar a chamada PEC da Transição. Nesta quarta-feira (16), o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), entregou uma minuta com as linhas gerais da medida.

PEC da Transição é o apelido para a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que o novo governo quer aprovar ainda neste ano para garantir, entre outras coisas, a manutenção do valor de R$ 600 do Auxílio Brasil em 2023. Estimativas apontam que isso pode custar R$ 175 bilhões por ano.

A PEC é considerada importante para o próximo governo porque o orçamento de 2023 foi entregue pela equipe do atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), e não prevê o pagamento de R$ 600 do auxílio.

Como o valor foi uma promessa de Lula (e também de Bolsonaro) ao longo da corrida eleitoral, a equipe do petista se mobilizou para encontrar formas de cumprir a promessa.

Manutenção de R$ 600 do Auxílio Brasil em 2023 poderá custar R$ 175 bilhões por ano - Getty Images via BBC News Brasil

Mas o que é exatamente essa PEC? Por que o novo governo quer emendar a Constituição antes mesmo de assumir o comando do país? E quais os impactos dessa medida para as contas públicas?

A BBC News Brasil conversou com economistas para responder a quatro pontos sobre a PEC da Transição.

O que é a PEC da Transição?

A PEC da Transição é o apelido dado a uma proposta de emenda à Constituição que está sendo negociada A PEC da Transição é como ficou conhecida a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que está sendo negociada por membros do novo governo com o Congresso Nacional.

A principal mudança proposta pela medida é a retirada dos gastos do governo com o Auxílio Brasil (antigo Bolsa Família) do chamado teto de gastos que o governo federal precisa respeitar.

Ela é necessária porque o governo quer alterar as normas do teto de gastos que também foi aprovada por meio de uma PEC, em 2016, durante a gestão do então presidente Michel Temer (MDB). A regra prevê que as despesas do governo federal só podem aumentar com base na correção pela inflação calculada pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

O teto foi aprovado sob o argumento de que ele representaria uma trava à chamada irresponsabilidade fiscal. Seus críticos, porém, argumentam que ele restringe a capacidade de investimento do governo e limita a atuação em áreas sensíveis como educação, assistência social e investimentos.

Inicialmente, havia a expectativa de que a PEC da Transição tirasse o Auxílio Brasil do teto de gastos por apenas um ano, para garantir a promessa de manter em R$ 600 o valor do Auxílio Brasil.

Posteriormente, membros da equipe do governo defenderam a tese de que essa regra valesse pelos próximos quatro anos.

A minuta entregue por Alckmin ao Congresso Nacional prevê que o Auxílio Brasil fique fora do teto de gastos por prazo indefinido.

O vice-presidente admitiu que o prazo da retirada do Auxílio Brasil do teto de gastos ainda será alvo de discussões pelo parlamento, mas defendeu a ausência de um prazo definido para a sua vigência.

"Nós trouxemos uma proposta que não tem prazo. Ela tem um princípio que é a exclusão do Bolsa Família (do teto de gastos). Cabe à Câmara e ao Senado discutir [...] Não há nenhum cheque em branco, mas não tem sentido colocar na Constituição Brasileira um detalhamento [...] a PEC dá o princípio que é o princípio do cuidado com a criança e a erradicação da pobreza extrema", disse Alckmin em entrevista coletiva nesta quarta-feira (16).

O vice-presidente eleito Geraldo Alckmin entrega a PEC da Transição no Congresso Nacional - Adriano Machado/Reuters

Como esse dinheiro vai ser usado?

Em entrevista à CNN Brasil na segunda-feira (14/11), o senador eleito e um dos principais articuladores do governo de transição, Wellington Dias (PT-PI), afirmou que o dinheiro previsto pela PEC seria gasto com o pagamento do Auxílio Brasil de R$ 600 e um bônus de R$ 150 por criança com até seis anos de idade nas famílias que recebem o benefício.

"A proposta apresentada é um valor relativo ao necessário ao auxílio emergencial [...] São R$ 157 bilhões e mais R$ 18 bilhões para o auxílio de R$ 150 por criança", disse o senador.

O diretor-executivo da iFI (Instituição Fiscal Independente), Daniel Couri, disse à BBC News Brasil que a PEC da Transição também permite ao novo governo ampliar seus gastos em outras áreas consideradas importantes.

Isso aconteceria porque, ao tirar os gastos do Auxílio Brasil daqueles sujeitos ao teto, abriria-se uma margem de R$ 105 bilhões (valor estimado do Auxílio Brasil de R$ 405) já previstos no orçamento enviado pelo governo Bolsonaro para o governo Lula gastar com outros programas.

"Ainda não estão claras em quais áreas o governo vai querer gastar esse dinheiro, mas há sinalizações de que o governo queira gastar em programas como o Farmácia Popular, saúde indígena, retomada de obras e políticas de habitação", disse Couri.

Um outro ponto previsto na minuta da PEC da Transição prevê um mecanismo que limita o quanto o governo poderá gastar em investimentos quando houver receitas extraordinárias, aquelas que ocorre fora do planejado pelo governo.

Pela proposta, o governo só poderia gastar até 40% dessas receitas em investimento. O restante terá que ser gasto com o abatimento da dívida. Ainda de acordo com a proposta, os investimentos feitos com receitas extraordinárias não poderão ultrapassar R$ 23 bilhões por ano.

Por que fora do teto?

A tentativa de aprovar a PEC da Transição acontece, entre outros motivos, porque a proposta de orçamento enviada pelo governo Bolsonaro para o ano de 2023 não previa os valores suficientes para o pagamento de R$ 600 por família que recebe o benefício.

"O orçamento enviado previa em torno de R$ 105 bilhões para o Auxílio Brasil, que era referente ao valor de R$ 405 por benefício. Apesar de o auxílio de R$ 600 também ter sido uma promessa de campanha de Bolsonaro, esse valor não constava no orçamento", disse Daniel Couri.

"Mesmo que o vencedor das eleições fosse o Bolsonaro, nós teríamos que estar discutindo uma PEC como essa para garantir o pagamento do Auxílio Brasil no patamar que foi prometido", diz Carla Beni, economista e professora da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

Ao longo dos primeiros dias da transição entre governos, houve dúvidas sobre se a PEC seria o melhor mecanismo jurídico para executar essa operação orçamentária.

A dúvida existiu porque, para entrar em vigor, uma PEC precisa ser aprovada em dois turnos pela Câmara e pelo Senado com três quintos dos votos nas duas Casas.

Outra possibilidade estudada foi a edição de uma Medida Provisória logo no início do novo governo Lula abrindo um crédito extraordinário no orçamento para o complemento do benefício.

Nos últimos dias, porém, a ideia perdeu força diante do risco de que a medida pudesse ser questionada judicialmente e dar margem para acusações de violação da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal).

O entendimento da equipe econômica e política de Lula é de que a PEC, apesar de mais trabalhosa do ponto de vista político, ofereceria maior segurança jurídica ao novo governo.

Quais os riscos?

Na avaliação da professora Carla Beni, o principal risco em torno da PEC da Transição está relacionado à incerteza sobre como essa expansão de gastos será paga. Segundo ela, o novo governo ainda não deixou claro quais os planos para reequilibrar as contas públicas.

"O governo ainda não disse como é que vai ser feito o financiamento dessa dívida. Não está claro de onde sairá o dinheiro para pagar essas despesas. Não se sabe, por exemplo, se vai ser a partir de uma nova reforma tributária, se vamos cortar desonerações que podem aumentar a arrecadação de impostos", disse à BBC News Brasil.

Para Beni, se a medida valesse apenas por um ano, os riscos para a deterioração das contas públicas não seriam grandes. Mas, com o prolongamento deste prazo, ela demonstra preocupação com os impactos negativos nas finanças da União.

"Se o governo não fizer uma recomposição das suas receitas revendo desonerações, apontando novas fontes de arrecadação, aí isso pode afetar, sim, o nosso grau de endividamento", afirmou a professora.

Daniel Couri, do IFI, segue a mesma linha de Carla Beni. Segundo ele, a tensão demonstrada pelo mercado em relação à condução da PEC da Transição é resultado das dúvidas sobre como o governo pretende pagar a conta.

"A tensão do mercado não está tão relacionada ao Bolsa Família [antigo nome do Auxílio Brasil] porque ambos os candidatos prometeram aumentá-lo para 2023. A tensão e a preocupação passam mais pelo tamanho do aumento de gastos e pela incerteza sobre como financiar isso nos próximos anos", disse Couri.

Couri e Carla Beni afirmam que, se o governo não reequilibrar as contas nos próximos anos, os benefícios desejados pela equipe de Lula às populações mais pobres poderão ser reduzidos.

"Se não houver uma recomposição das receitas, o governo vai ter que emitir títulos da dívida para se financiar. Isso coloca o governo em uma situação frágil em caso de algum choque externo, por exemplo. Numa crise, essa fragilidade nas contas públicas pode, inclusive, comprometer os avanços que se quer junto aos mais pobres", disse Couri.

À CNN Brasil, Wellington Dias tentou tranquilizar o mercado.

"Nós queremos trabalhar com muita responsabilidade fiscal. A responsabilidade fiscal já foi praticada pelo presidente eleito [...] A essência é o cumprir com a responsabilidade [...] (durante o governo Lula) o Brasil teve o maior grau de cumprimento de regras fiscais da história e isto nós, novamente, vamos buscar", disse.

Este texto foi publicado originalmente aqui.

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