Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

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Por que o mercado aceitou a PEC da Transição?

Governo parece ter certo tempo para mostrar responsabilidade fiscal após o estouro proposto

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Pelo comportamento dos preços dos ativos financeiros até o momento, podemos afirmar que a PEC da Transição assustou mais os economistas do que os investidores.

Ainda que a curva futura de juros tenha retirado a precificação de queda da Selic em 2023 e a Bolsa brasileira tenha sofrido em um momento de recuperação no exterior, os movimentos foram moderados diante do aumento do risco de insolvência do país. Mais surpreendente, o real quase não saiu do lugar desde o resultado das eleições, mesmo com a aprovação da Leis das Estatais.

Reação bem diferente ocorreu no segundo semestre de 2021, quando a PEC dos Precatórios foi aprovada, abrindo espaço no teto para a criação do Auxílio Brasil. Na ocasião, o dólar saiu de cerca de R$ 5 para quase R$ 5,70. Por que agora, diante de um "rombo" de quase 2% do PIB —que colocará nossa dívida em trajetória explosiva e deixará o país sem arcabouço fiscal—, não assistimos a uma resposta mais enfática dos ativos financeiros?

O futuro ministro da Fazenda Fernando Haddas durante coletiva no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), em Brasília (DF) - Pedro Ladeira - 13.dez.2022/Folhapress

A explicação não está na tranquilidade dos investidores com os rumos da política fiscal, e sim na perspectiva de que a inflação global já tenha alcançado seu pico e os principais bancos centrais —o Fed, em particular, que já fez aperto monetário considerável— responderão, em algum momento no ano que vem, ao risco de recessão com queda de juros. Desde as eleições, o real depreciou perto de 3%, enquanto as moedas de países emergentes se valorizaram, na média, cerca de 7% em relação ao dólar.

Não são raros os momentos em que a melhora do risco global impede que a piora do risco doméstico se manifeste imediatamente. A questão que se coloca é: esse movimento de maior apetite por risco global é sustentável?

De fato, a inflação nos EUA dá sinais de desaceleração, permitindo que o Fed reduzisse o ritmo de alta dos juros nesta semana, depois de ter implementado o aperto mais rápido de política monetária desde os anos 1980. No entanto, Jerome Powell deixou claro que é cedo para dar o trabalho por encerrado e sinalizou que os juros permanecerão altos por tempo suficiente para trazer a inflação, cujo núcleo está em 6%, para um patamar próximo a 2%.

Apesar dessa comunicação, os mercados seguem animados com os primeiros sinais de alívio inflacionário. A curva de juros americana precifica cortes já no segundo semestre do próximo ano, em um ciclo de mais de dois pontos percentuais com término previsto para meados de 2025 —o maior ciclo de flexibilização da política monetária desde 1989.

A animação pode ser prematura. O atual ambiente ainda é de inflação alta, e uma flexibilização exagerada nas condições financeiras é algo a ser evitado.

A principal razão é o mercado de trabalho aquecido nos EUA, implicando uma queda mais lenta e moderada da inflação do que nas décadas pré-pandemia. Além disso, embora a retração em curso no setor imobiliário deva arrastar o crescimento do PIB para baixo, é improvável que ocorra uma crise financeira de inadimplência generalizada que afete o setor financeiro, como no passado.

Ademais, as famílias estão muito menos endividadas e ainda dispõem de alta poupança para sustentar o consumo. As empresas também estão se mostrando relativamente imunes aos juros mais altos porque o boom de emissão de dívida de 2020 e 2021 suprimiu sua necessidade de refinanciamento neste e no próximo ano. Um motivo potencial pelo qual o Fed precisará manter as taxas mais altas por mais tempo é simplesmente o fato de haver mais excesso de liquidez para ser drenado agora do que em qualquer outro momento no passado.

Com sua credibilidade abalada e sem confiança em sua capacidade de prever a inflação, o Fed parece querer ver a trajetória da inflação mais perto de suas metas de 2% antes de sinalizar cortes de juros e de fato implementá-los. Muito provavelmente, isso significa uma espera até 2024.

O aperto já realizado pelo Fed conseguiu "estourar" algumas bolhas, como a de criptomoedas. No entanto, esse não é seu objetivo, mas sim trazer a inflação americana para perto de 2% —uma perspectiva que pode levar o apetite por risco para um patamar ainda baixo em 2023.

Diante disso tudo, não parece ser seguro dizer que o mercado "aceitou" a PEC, e sim que o novo governo está dispondo de um certo tempo para mostrar responsabilidade fiscal depois do estouro proposto. Se este for usado para a reversão de reformas estruturais e destruição completa do arcabouço existente, cedo ou tarde, a conta do ajuste chegará.

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