Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

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Solange Srour

Regras e medidas fiscais transparentes não trariam desconfiança

Contenção de R$ 15 bilhões em gastos do governo deixa a desejar

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As palavras não são tão importantes quando você reconhece as intenções

Isabel Allende

escritora chilena

Ao anunciar uma contenção de gastos de R$ 15 bilhões do Orçamento –dos quais R$ 11,2 bilhões destinados ao cumprimento do teto de despesas e R$ 3,8 bilhões ao alcance da meta de resultado primário–, o governo demonstra duas preocupações: não abandonar o arcabouço fiscal com o rompimento do limite de gastos e a consequente reação negativa do mercado, e evitar uma maior expansão de gastos em 2026 (50% da variação real da receita e não 70%), além de acionar gatilhos já em 2025, caso a meta de resultado primário não seja cumprida em 2024.

Além de os valores não serem suficientes para o cumprimento destes objetivos em 2024 (como admitido pelo próprio governo), o contingenciamento foi calibrado para alcançar o limite inferior do intervalo de tolerância da meta –ou seja, um déficit de até R$ 28,8 bilhões, e não propriamente o centro da meta, que é um déficit zero.

O governo justificou que um contingenciamento para atingir esse centro careceria de um dispositivo explícito na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2024 com essa autorização. Se de fato essa interpretação é correta, para que serve a banda?

Lula discursa em evento no Palácio do Planalto
Lula anuncia contingenciamento de R$ 15 bilhões em gastos - Gabriela Biló/Folhapress

A criação da banda de tolerância tem como objetivo acomodar uma parcela dos choques inesperados que impactam a arrecadação e a despesa. Créditos extraordinários para lidar com despesas imprevistas estão fora do limite de gastos e não da meta.

Apesar de os gastos relacionados à Covid-19 e à situação do Rio Grande do Sul terem ficado fora da meta, ambos foram exceções autorizadas pelo tamanho das calamidades.

Dessa forma, a função do intervalo de tolerância não é conceder um espaço discricionário à autoridade responsável pelo cumprimento de metas, mas sinalizar de forma transparente quão aceitáveis são os possíveis desvios causados por fatores exógenos. Essa flexibilidade permite ao governo ajustar despesas de forma gradual, evitando que o desempenho da economia seja muito comprometido.

Para tentar atingir o centro da meta, o governo admite contar com o chamado "empoçamento" de recursos (estimado em cerca de R$ 20 bilhões neste ano), que, em geral, ocorre quando a verba já destinada a órgãos e ministérios não é executada e acaba voltando aos cofres da União.

Ainda que tenhamos esse valor significativo, a estratégia parece arriscada. Quando o Tesouro libera montantes para órgãos e ministérios, ele perde o controle sobre esses recursos.

Contingenciar para atingir o piso da banda e contar com o empoçamento para alcançar o centro compromete a eficácia da meta em coordenar as expectativas dos agentes sobre o compromisso efetivo com a sustentabilidade das contas públicas.

A situação é análoga ao caso da política monetária. Quando o BC (Banco Central) deixa transparecer que não está mirando de fato o centro da meta de inflação, e sim a parte superior da banda, as expectativas de inflação sobem, deteriorando a dinâmica inflacionária e forçando o BC a subir mais agressivamente a taxa Selic.

O mesmo ocorre quando o prazo de convergência da inflação é alongado ou quando o modelo do BC se baseia em hipóteses favoráveis para justificar decisões controversas.

Assim como a confiança do mercado na capacidade da autoridade monetária em manter a inflação sob controle é crucial para a eficácia da política monetária, a credibilidade na política fiscal é necessária para evitar maiores prêmios de risco, que vêm acompanhados de uma taxa de câmbio mais depreciada e juros mais altos, principalmente os de médio e longo prazo.

Tentar usar qualquer espaço possível para aumentar despesas sem apresentar medidas estruturais para controlar o gasto público impede que anúncios como o da contenção anunciada na semana passada tragam uma melhora nos preços dos ativos domésticos. E o desafio do ano que vem será ainda maior.

A meta também é de déficit zero, mas sem a arrecadação extraordinária que tivemos esse ano e com o crescimento que temos visto das despesas, o mercado espera um déficit de cerca de R$ 86 bilhões, segundo o Prisma Fiscal.

Na ciência econômica, sinalizações consistentes reforçam a credibilidade dos gestores e coordenam as expectativas dos agentes, aumentando a eficiência das políticas públicas. O anúncio de segunda-feira deixou a desejar nesse aspecto.

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