Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

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A volta das políticas industriais

Estudo aponta que 2023 teve 2.500 políticas industriais no mundo todo

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O uso da política industrial (PI) tem ganhado destaque no debate público ao redor do mundo, embalado pelo argumento de mitigar as consequências de possíveis novas interrupções nas cadeias produtivas globais —afetadas primeiramente pela pandemia e em seguida pela intensificação de conflitos geopolíticos— e pela demanda para acelerar a transição energética diante das grandes mudanças climáticas.

Um recente artigo do FMI, "The Return of Industrial Policy in Data" apresenta um abrangente banco de dados, chamado "New Industrial Policy Observatory" (NIPO), com o objetivo de capturar os desenvolvimentos da política industrial e contribuir para a avaliação empírica de seus efeitos econômicos.

Após 12 meses de coleta de dados, os autores registram um total de mais de 2.500 PIs em todo o mundo só para o ano de 2023, sendo 71% delas distorcivas ao comércio global. Cerca de 48% das PIs em 2023 ficaram concentradas nas principais economias: China, União Europeia e Estados Unidos.

Fábrica de facas na França
Quase 50% das políticas industriais de 2023 são das principais economias: China, EUA e União Europeia - OIivier Chassignole - 14.dez.2023 / AFP

No que diz respeito às motivações por trás das intervenções, as preocupações com competitividade têm sido o objetivo declarado para mais de um terço das medidas. As relacionadas às mudanças climáticas e à resiliência da cadeia de suprimentos representam 28% e 15%, respectivamente. A segurança nacional e as tensões geopolíticas combinadas são a justificativa por trás de uma em cada cinco medidas.

Segundo os autores, setores já bem estabelecidos na economia são os alvos mais frequentes das intervenções, o que é inconsistente com a ideia de estímulo à inovação e consistente com a visão da literatura de que forças políticas, com poder de lobby, são determinantes importantes da política industrial.

O estudo revela também que governos com eleição próxima são mais propensos a usar medidas de PI. Embora a análise, em etapa embrionária, seja puramente sugestiva, não são encontrados argumentos econômicos frequentemente citados para o uso da política industrial, como o da necessidade de estimular uma indústria nascente, facilitar o transbordamento de conhecimento ou reparar falhas de coordenação.

O maior risco do uso excessivo da política industrial do ponto de vista microeconômico é bem documentado na literatura econômica: aumento das ineficiências decorrentes da má alocação de recursos e da busca por renda.

Os casos de sucesso, como nos Tigres Asiáticos, ocorreram simultaneamente à ampla abertura comercial, que colocou em xeque o poder de mercado das corporações nacionais e minimizou os problemas alocativos (Koyama e Rubin, "How the World Became Rich"). Do ponto de vista macroeconômico, o risco é o aumento cada vez mais rápido dos déficits fiscais e das dívidas públicas, já bastante elevadas. Já tarifas e restrições ao livre comércio têm impactos inflacionários relevantes e trazem redução do produto potencial.

No Brasil, apesar da experiência negativa, que nos legou a crise de 2014-2016, voltamos a usar políticas com o objetivo de ajudar o crescimento de empresas individuais e setores econômicos. A mais recente tentativa foi a MP 1.205, publicada no penúltimo dia de 2023, que institui o Programa Mover.

Seu objetivo é apoiar a descarbonização através da concessão de incentivos fiscais para empresas que investem em sustentabilidade, com o custo do programa sendo compensado pela retomada do imposto de importação para veículos elétricos. As semelhanças com o Inovar Auto e o Rota 2030 não são poucas, e vale lembrar que ambos foram insuficientes para evitar, por exemplo, que a Ford saísse do Brasil.

Tivemos intervenções bem-sucedidas, como a criação da Embrapa, cujo objetivo era desenvolver tecnologias que servissem às especificidades do solo e do clima brasileiro. Ao contrário dos incentivos à indústria, o Estado estimulou o conhecimento sem impedir a concorrência. Muito pelo contrário, o setor agrícola sempre foi bastante exposto ao comércio internacional.

É esperado que, em breve, o governo divulgue sua proposta para a "Neoindustrialização Brasileira". A literatura já deixou claro que mudar a composição da economia (mais indústria e menos serviços e agricultura) visando aumentar a produtividade é uma opção pior do que buscar a elevação da produtividade desses três setores.

O processo produtivo é cada vez mais interligado entre setores. Com a evolução da inteligência artificial generativa, não podemos ficar presos ao conceito de que é a indústria de transformação a grande difusora do progresso, e sim tomar medidas que qualifiquem nossos trabalhadores e melhorem a gestão de nossas empresas.

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