Suzana Herculano-Houzel

Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

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Suzana Herculano-Houzel

Bebês-morcego também balbuciam

Estudo publicado na revista Science mostra que morceguinhos começam a produzir sons soltos, como sílabas, que eles então repetem ritmadamente

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Ah como eu gosto quando descobrem mais uma característica que não é exclusividade humana. Desta vez é a produção espontânea de sons por bebês, muito antes de eles sequer entenderem do que os sons se tratam —mais especificamente, a versão Morcego do ma-ma-ma da-da-da humano.

Eu sempre tive para mim que crianças balbuciando devem pensar que estão fazendo exatamente tanto sentido quanto nossos sons fazem para eles. Afinal, o significado da linguagem tem que ser construído ao longo do tempo, conforme certos sons são repetidamente associados a certos eventos.

Mesmo sem sentido, contudo, a produção espontânea de sons e outros tipos de padrões que podem ou não um dia ter significado é parte fundamental do desenvolvimento de animais com um córtex cerebral e algum nível de linguagem, incluindo pássaros. O aprendizado vocal ou gestual se dá por tentativa e erro, instruída por algum tipo de retorno.

Dois morcegos, um ao lado do outro, dependurados em caverna
Filhotes de morcego da espécie Saccopteryx bilineata passam meses aprendendo a 'pronunciar' sons como os adultos - Michael Stifter via The New York Times

Em geral, a mãe é o ser que mais provavelmente provê esse retorno, o que para mim é a explicação mais simples para por que o som mais fácil de se produzir é o que decidimos que se refere à mãe, em várias línguas humanas: basta fazer qualquer som com a boca fechada e então abri-la para produzir um ma-ma-ma-ma.

A oportunidade de produzir os próprios sons deve ser tão gratificante e divertida para bebês-morcego como é para bebês humanos, porque ambos só precisam começar. De acordo com o estudo germano-panamenho publicado na revista Science desta semana, morceguinhos de umas duas ou três semanas de idade começam a produzir sons soltos, como sílabas, que eles então repetem ritmadamente, mesmo sozinhos.

Ao longo dos próximos dois meses, a prática torna os animais proficientes em produzir sons balbuciados repetidamente, e seu repertório vai aumentando —até que eles passam a produzir sons estruturados, e finalmente aprendem a gerar os sons da língua adulta que sua espécie usa para se comunicar. Exatamente como humanos, guardadas as proporções de tempo.

O que não é exatamente como o balbuciar humano, contudo, é que as mães-morcego aparentemente não estão nem aí para o blirp-blirp-blirp de seus filhotes. Enquanto mães humanas se derretem sobre seus bebês balbuciantes e entram em altas “conversas” com eles, o que gera reforço positivo e apego intensos de ambos os lados, nem mesmo sons adultos ocasionais emitidos por morceguinhos geram respostas adultas de suas mães.

Talvez este seja outro bônus do nosso número de neurônios corticais mil vezes maior: o faz-de-conta sobre o conteúdo mental de nossos bebês.


Minha suspeita se confirmou quando minha filha com uns três anos pegou um caderninho, fez várias espirais miudinhas espremidas entre as linhas, e veio me mostrar, orgulhosa: “Olha, mãe, o que foi que eu escrevi?”. Se o que eu escrevo não faz sentido para ela, mas faz para mim, então os escrivinhados dela também devem fazer sentido imediato para mim, oras.

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