Suzana Herculano-Houzel

Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

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Suzana Herculano-Houzel
Descrição de chapéu Mente

Comer de noite engorda

Se a comida é a mesma, por que a hora de comer faz diferença?

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Uma das belezas da ciência é que a conta sempre fecha. A gente perde peso quando usa mais energia do que ingere e ganha peso quando ingere mais do que usa. Simples assim.

Mistério mesmo é quando dois indivíduos comem a mesma comida, mas um engorda, e o outro, não. "Fulano é magro de ruindade", dizem; come o que quer e não engorda.

Comida ingerida em períodos de inatividade do organismo pode virar peso extra - Adobe Stock

Mas não é ruindade, não. Ao menos um dos fatores agora é conhecido da ciência: quando se come faz toda a diferença. Ao que tudo indica, o que se come durante períodos de atividade é imediatamente usado, ou porque sustenta a atividade em curso ou porque, se não há grandes atividades, o que sobra vira calor, e a energia se perde para o ambiente. Saldo? Praticamente zero. Mas o mesmo tanto comido durante a inatividade vira... reserva, na forma de gordura.

A diferença vem do metabolismo dos adipócitos, as células que reservam gordura no corpo, comandados pelo cérebro, segundo estudo recente de pesquisadores da Universidade Northwestern, nos EUA, publicado na revista Science. Os pesquisadores descobriram que, mesmo quando camundongos vivem em ambiente a 30°C, que para eles não exige nenhum esforço do corpo para manter sua temperatura, comer durante o período de atividade (que para eles é à noite) aumenta a atividade de ciclos fúteis que consomem energia sem ir a lugar algum —ou seja, não produzem trabalho, apenas calor, que se dissipa.

Mas se a mesma quantidade de comida é ingerida durante o período de inatividade, quando o relógio biológico do hipotálamo mantém o corpo em estado de descanso e recuperação, os ciclos fúteis não são acionados. Toda energia necessária no momento será utilizada, claro —sempre. Mas se há energia ingerida em excesso nessas horas, em que os ciclos fúteis não podem ser acionados, o que sobra vira peso extra.

É exatamente como um carro bebedor de gasolina que andasse por aí recebendo combustível na veia, o tempo todo. O que entra enquanto o carro está rodando, ou ao menos parado em ponto morto, pronto para começar tudo de novo, é consumido pelo metabolismo que mantém o motor do carro aquecido e em funcionamento. O tanque nem esvazia, nem transborda. Mas se o combustível continua chegando depois que o carro desliga, é óbvio que o tanque vai transbordar —e a garagem ou o resto do corpo, ao redor, recolhe as sobras e guarda para outro dia. Pode ser a salvação em tempos magros e circunstâncias incertas.

Mas para quem existe na abundância do mundo industrial, engordar parece até vingança da natureza contra quem começa a ter mais comida disponível do que precisa. Afinal, quem tem fome e encontra comida não espera para comer depois: come o quanto pode assim que encontra a comida, o que vai acontecer, por definição, enquanto se está ativo. Acumular comida para comer mais tarde, no fim do dia, durante o descanso, é para quem pode se dar ao luxo de guardar para depois.

A solução é simples. Difícil vai ser vencer o lobby dos bares e restaurantes pelo público noturno...

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