Sylvia Colombo

Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.

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Escalada autoritária de Jeanine Añez a aproxima de Evo Morales

Presidente interina toma decisões em áreas em que o mais correto seria esperar um presidente eleito de modo legítimo

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A expulsão da embaixadora mexicana e dos diplomatas espanhóis de La Paz foi apenas mais um episódio que mostra o crescente autoritarismo da presidente interina da Bolívia, Jeanine Añez.

A presidente interina da Bolívia Jeanine Áñez durante uma conferência no palácio presidencial de La Paz
A presidente interina da Bolívia Jeanine Añez durante uma conferência no palácio presidencial de La Paz - David Mercado/Reuters


Essa escalada é preocupante. Afinal, a ideia de remover Evo Morales do poder tinha como principal razão o incômodo de parte da sociedade com o fato de que o então mandatário estava se transformando num autocrata com desejo de permanecer no poder de modo indefinido.

Añez assumiu com a promessa de que seu governo teria como objetivo único o de organizar as novas eleições, agora finalmente marcadas, depois de muito atraso, para o primeiro domingo de maio.

Por enquanto, o que vemos, porém, é a presidente interina atuar com autoritarismo na área de segurança e tomar decisões em outras áreas em que o mais correto seria esperar que um novo presidente fosse eleito de modo legítimo.

Organismos internacionais, como a Anistia e a CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) estão preocupados com a demora nas investigações de dois massacres, os de Senkata (El Alto) e de Sacaba (próximo a Cochabamba), ambos redutos pró-Evo, em que morreram pelo menos 29 civis.

Também estão sendo reportados abusos contra a liberdade de expressão. O governo interino tirou do ar o sinal da Telesur e há jornalistas sendo processados por "estimular atitudes subversivas".

Meios de comunicação que antes eram críticos a Evo agora mudaram de linha editorial por conta da pressão do governo.

O jornal Pagina Siete e as redes de TV Unitel, Red Uno e Bolivisión adotaram uma narrativa governista, chegando a usar expressões preconceituosas para se referir aos apoiadores do ex-presidente.

Añez também iniciou uma reforma na televisão pública. É certo que, até então, ela era usada para fazer propaganda da gestão Evo. Mas determinar sua nova programação não deveria ser atributo de uma presidente interina. 

O elemento religioso é outra demonstração de autoritarismo. A defesa da Bíblia como símbolo da religião nacional e os festejos natalinos são um desrespeito às crenças indígenas.

Apesar de ter traços étnicos que revelam sua ascendência indígena, Añez atua, se veste e fala como se fosse uma mulher branca de ascendência europeia, ou seja, como se integrasse o setor da sociedade que a apoia. 


Antes de Evo, por conta da discriminação histórica que havia contra os indígenas, o sonho das meninas bolivianas mestiças era parecer brancas. Alisavam o cabelo e o pintavam de loiro, num esforço para esconder sua origem e ficarem mais parecidas a uma boneca Barbie. 

Um dos pontos positivos do governo de Evo foi, justamente, o de valorizar a cultura ancestral indígena, costumes, roupa, moda, penteados e até a arquitetura. 

Añez deve ser responsabilizada por estar atuando de forma tão autoritária como vinha fazendo Evo, por levar com atropelos o processo eleitoral, por não dar a atenção devida aos abusos de direitos humanos, por avançar contra a liberdade de expressão e por desconstruir o projeto de uma sociedade mais igualitária do ponto de vista étnico.

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