Sylvia Colombo

Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.

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Se governo colombiano não cumprir sua parte, ex-membros das Farc serão massacrados

Gestão de Iván Duque não tem oferecido proteção aos antigos combatentes

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A primeira impressão que tive quando visitei um acampamento da guerrilha das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), em 2016, foi a de que ali o tempo estava suspenso.

Não havia diferenciação entre dias da semana, e as épocas históricas eram sinalizadas por eventos de vitória, derrota, trocas de comando, assassinatos de líderes, todos relacionados à história da guerrilha.

A maioria dos combatentes era muito jovem e não tinha uma formação fora da doutrina guerrilheira. Tampouco entendiam o anacronismo de serem parte de um grupo marxista armado em pleno século 21.

Apoiadores das antigas Farc fazem ato em Bogotá para homenagear membros mortos da guerrilha
Apoiadores das antigas Farc fazem ato em Bogotá para homenagear membros mortos da guerrilha - Raul Arboleda - 25.fev.20/AFP

Muitos, erroneamente, pensam que o acordo de paz firmado entre o Estado e as Farc, naquele ano, foi um ponto final, e que a partir daí haveria paz.

Mas o correto é que não, o acordo sinalizava apenas que as duas partes (Estado e ex-guerrilha) topavam uma série de tarefas a serem realizadas para atingir a paz.

Isso ficou ainda mais claro para mim agora, quando terminei de ler “La Batalla por la Paz” (ed. Planeta), do ex-presidente Juan Manuel Santos, que ganhou o Nobel por ter atingido esse acordo com a guerrilha. Nele, Santos deixa claro por que o trabalho apenas começava.

O governo que o sucedeu, o do centro-direitista Iván Duque, porém, tampouco entendeu de que se trata o documento. Ou pelo menos não compreendeu bem que era necessário guiar e ajudar, principalmente os jovens ex-combatentes.

Com a pandemia do coronavírus, a coisa só piorou. Um dos pontos centrais da tarefa a que o Estado colombiano se comprometeu era a de dar proteção aos ex-guerrilheiros quando eles deixassem as armas.

É certo que houve dissidências que se juntaram a facções criminosas e que isso precisa ser combatido.

Mas a maioria deles, cerca de 6.000 pessoas, aceitou os termos do tratado, vive em acampamentos, realiza tarefas comunitárias e espera a contrapartida do Estado.

Esta era, basicamente, a de oferecer-lhes proteção e um plano de reintegração à sociedade, por meio de capacitação e de empregos.

Pois a gestão Duque não está cumprindo sua parte. E o Exército, hoje voltado a controlar a quarentena, abandonou os ex-combatentes.

O resultado é que 194 deles foram mortos apenas neste ano, em geral por facções criminosas com quem tinham contas a acertar. Em seus acampamentos, que eram para ser provisórios, estão vulneráveis ao vírus e às vinganças.

É incrível como é difícil ouvir as lições da história. Nos anos 1980, houve um acordo de paz entre o Estado e várias guerrilhas, que toparam deixar as armas e fundar um partido, o União Patriótica.

Sem segurança garantida e desarmados, tiveram mais de 3.000 de seus integrantes assassinados.

O que hoje se recorda como um massacre que não deveria nunca mais se repetir, parece algo novamente provável. A Colômbia é o país que mais guerras civis teve no século 19.

No 20, perdeu mais de 300 mil vidas no enfrentamento com as guerrilhas, e outras tantas na guerra do narcotráfico.

Não é possível seguir perdendo oportunidades de obter a paz como o acordo histórico com as Farc. Duque deve ser responsabilizado se os ex-combatentes continuarem a ser massacrados.

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