A primeira impressão que tive quando visitei um acampamento da guerrilha das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), em 2016, foi a de que ali o tempo estava suspenso.
Não havia diferenciação entre dias da semana, e as épocas históricas eram sinalizadas por eventos de vitória, derrota, trocas de comando, assassinatos de líderes, todos relacionados à história da guerrilha.
A maioria dos combatentes era muito jovem e não tinha uma formação fora da doutrina guerrilheira. Tampouco entendiam o anacronismo de serem parte de um grupo marxista armado em pleno século 21.
Muitos, erroneamente, pensam que o acordo de paz firmado entre o Estado e as Farc, naquele ano, foi um ponto final, e que a partir daí haveria paz.
Mas o correto é que não, o acordo sinalizava apenas que as duas partes (Estado e ex-guerrilha) topavam uma série de tarefas a serem realizadas para atingir a paz.
Isso ficou ainda mais claro para mim agora, quando terminei de ler “La Batalla por la Paz” (ed. Planeta), do ex-presidente Juan Manuel Santos, que ganhou o Nobel por ter atingido esse acordo com a guerrilha. Nele, Santos deixa claro por que o trabalho apenas começava.
O governo que o sucedeu, o do centro-direitista Iván Duque, porém, tampouco entendeu de que se trata o documento. Ou pelo menos não compreendeu bem que era necessário guiar e ajudar, principalmente os jovens ex-combatentes.
Com a pandemia do coronavírus, a coisa só piorou. Um dos pontos centrais da tarefa a que o Estado colombiano se comprometeu era a de dar proteção aos ex-guerrilheiros quando eles deixassem as armas.
É certo que houve dissidências que se juntaram a facções criminosas e que isso precisa ser combatido.
Mas a maioria deles, cerca de 6.000 pessoas, aceitou os termos do tratado, vive em acampamentos, realiza tarefas comunitárias e espera a contrapartida do Estado.
Esta era, basicamente, a de oferecer-lhes proteção e um plano de reintegração à sociedade, por meio de capacitação e de empregos.
Pois a gestão Duque não está cumprindo sua parte. E o Exército, hoje voltado a controlar a quarentena, abandonou os ex-combatentes.
O resultado é que 194 deles foram mortos apenas neste ano, em geral por facções criminosas com quem tinham contas a acertar. Em seus acampamentos, que eram para ser provisórios, estão vulneráveis ao vírus e às vinganças.
É incrível como é difícil ouvir as lições da história. Nos anos 1980, houve um acordo de paz entre o Estado e várias guerrilhas, que toparam deixar as armas e fundar um partido, o União Patriótica.
Sem segurança garantida e desarmados, tiveram mais de 3.000 de seus integrantes assassinados.
O que hoje se recorda como um massacre que não deveria nunca mais se repetir, parece algo novamente provável. A Colômbia é o país que mais guerras civis teve no século 19.
No 20, perdeu mais de 300 mil vidas no enfrentamento com as guerrilhas, e outras tantas na guerra do narcotráfico.
Não é possível seguir perdendo oportunidades de obter a paz como o acordo histórico com as Farc. Duque deve ser responsabilizado se os ex-combatentes continuarem a ser massacrados.
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