Sylvia Colombo

Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.

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Descrição de chapéu América Latina

Caso de Elián, marco da disputa entre EUA e Cuba, mostra que nada muda em Havana

Símbolo de questões geopolíticas desde os 6 anos, ele agora foi eleito deputado em pleito pouco representativo na ilha

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Quem era vivo e consciente em 2000 não tem como esquecer as imagens. Oficiais norte-americanos ultraequipados entraram em uma casa em Miami para arrancar, literalmente, dos braços de um parente e de dentro de um armário, um garoto apavorado, chorando aos borbotões.

Do lado de fora, continuava a operação que mais parecia armada para a prisão de um terrorista. Com bombas de gás lacrimogêneo, agentes tentavam conter a multidão de cubano-americanos que tentavam impedir que o garoto, Elián González, então aos 6 anos de idade, fosse retirado da custódia de seus parentes maternos, afincados nos EUA, e entregue ao seu pai, cubano.

Idoso fardado de cabelo grisalho e barba sentado ao lado de menino com camiseta azul e cabelo preto
O ditador Fidel Castro e o garoto cubano Elián González durante formatura em Santa Clara - Claudia Daut/20.out.04/Reuters

A história de Elián mais parecia uma novela para quem a acompanhava no dia a dia, mas terminou sendo um determinante fator político, que ajudou a eleger o republicano George W. Bush nas eleições de 2000, com os cruciais votos da Flórida.

Primeiro, a novela. Como tantos cubanos, Elizabeth Rodríguez decidiu, ao lado de seu namorado e de outros 14 compatriotas, escapar da ilha num barco de pouco mais de cinco metros. Uma tempestade —ou muitas, os relatos variam— deixou a embarcação à deriva. A partir daqui confiamos nas lembranças de Elián recuperadas por sua prima, Marisleysis, que disse que o garoto, no momento em que percebeu que sua mãe tinha se afogado, viu golfinhos se aproximando para salvá-lo.

O fato é que Elián foi resgatado pela guarda costeira americana e entregue a seus parentes que viviam na Flórida —tios e primos; entre eles, Marisleysis, que se tornou a principal defensora de que o menino permanecesse nos EUA, mantendo-se fiel aos desejos de sua mãe.

A batalha pela custódia do garoto durou meses e foi alimentada por questões políticas. De um lado, o pai de Elián, que não o via havia anos, mas que pedia que ele voltasse à ilha, com o apoio de ninguém menos que o ditador Fidel Castro. Já a família na Flórida apoiava-se no grupo de cubano-americanos que até hoje mantém uma agenda ativa contra o regime ditatorial. A Justiça dos EUA, porém, não viu outra solução que não fosse mandar Elián de volta a Cuba, com o pai.

O que foi feito com esse garoto, nos EUA e em Havana, é no mínimo uma vergonha. Fizeram-no gravar vídeos ensaiados com a bandeira americana enquanto esteve lá. Uma vez em Cuba, Fidel Castro o adotou quase como filho, ia a aniversários e formaturas. Quando não pôde mais, deixou a função para seus sucessores, o irmão Raúl e o líder atual, Díaz-Canel.

Durante todos os seus anos de formação, Elián foi visto com Fidel ao lado, a cada formatura, a cada aniversário. "Um pai para mim", sempre repetiu. Sobre a mãe, que morreu afogada a 5 km da costa dos EUA, Elián diz: "Tudo o que ela fez nos seus últimos momentos, foi tentar me manter com vida. Mas ela estava sendo enganada pelo namorado, um delinquente."

No último mês, Elián González, agora aos 29, elegeu-se deputado por Cárdenas, onde cresceu com o pai e com seus meio-irmãos, em um pleito legislativo de poucas opções. Eram 470 candidatos apresentados no sistema de partido único, e todos saíram vencedores. De modo geral, a eleição mostrou o regime desgastado, com a menor participação de votantes na história das votações legislativas.

O recém-eleito parlamentar se mostrou compreensivo. "As pessoas deram um voto de castigo, e dá para entender, precisamos fazer mais", disse Elián. "Quero ir aos EUA, quero reunir famílias separadas pelo ódio, como vi em tão tenra idade", afirmou, depois da votação, com a ressalva de que considera que "a mão de Fidel" estará sempre sobre seu ombro.

Elián diz que ficou otimista quando viu Raúl Castro e Barack Obama anunciando uma reaproximação, mas afirma que muito há de ser feito e que "o império é traiçoeiro". Tem saudades da família nos EUA, sim, mas diz que é preciso "limar hostilidades", e que por isso se elegeu parlamentar. Também quer ir em breve aos EUA. "Isso de separar famílias por questões políticas está muito errado."

Será Elián uma chave para aparar arestas com os EUA? Ou mais um nome para uma possível sucessão de poder na ilha? Díaz-Canel terá em abril a possibilidade de seguir à frente do regime. Ou de ser substituído.

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