Sylvia Colombo

Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.

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Chegada de Charles ao trono joga luz sobre legado da escravidão no Caribe

Rei britânico pode fazer gestos simbólicos que resultem em algo positivo para o Caribe, após tantos anos de exploração

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A chegada de um novo monarca ao trono do Reino Unido pode parecer um evento anacrônico nos dias de hoje. Do ponto de vista simbólico, porém, a modernização e a revisão de valores que Charles 3º deve propor em seu reinado provocará impacto a muitas ex-colônias britânicas espalhadas pelo mundo.

O Império Britânico ficou conhecido como um dos quais "o Sol nunca se põe", por estender-se a tantos territórios e continentes. Uma das regiões-chave foi o Caribe, onde as chamadas Índias Ocidentais Britânicas eram mais de 15, incluindo Jamaica, Bahamas e Barbados, além da Guiana Britânica e de Belize, que tecnicamente não estão no Caribe, mas integravam essa área que foi uma grande rota do tráfico internacional de escravos —cerca de 2,5 milhões de africanos foram levados a essas terras.

A primeira presidente de Barbados, Sandra Mason, junta-se à primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley, e ao príncipe Charles, durante a cerimônia da posse presidencial, na Heroes Square, em Bridgetown, Barbados
A primeira presidente de Barbados, Sandra Mason, junta-se à primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley, e ao então príncipe Charles, durante a cerimônia da posse presidencial, na Heroes Square, em Bridgetown, Barbados - Jonathan Brady - 30.nov.21/Reuters

Apesar de a grande maioria desses territórios ser formada hoje por repúblicas independentes, há um sentimento e uma demanda de suas populações por uma reparação ou um pedido de desculpas por parte da coroa britânica. Além disso, países já independentes, mas que ainda têm o monarca britânico como chefe de Estado, como Jamaica, Bahamas e Belize, caminham na direção de Barbados, que em 2021 removeu a rainha Elizabeth 2ª desse posto e passou a ser uma república.

O agora rei Charles 3º esteve na cerimônia e tratou de demonstrar apoio. Em relação às ex-colônias que desejam realizar essa transição, disse mais de uma vez que a coroa não colocará impedimentos. Ainda assim, há um mal-estar na região, indicando que espera-se do rei mais participação nesse processo.

Em visitas recentes a alguns desses territórios, os atuais príncipe e princesa de Gales, William e Kate, além do duque e da duquesa de Edimburgo, Edward e Sophie (irmão e cunhada de Charles), enfrentaram manifestações antimonarquia e pedidos de reparações. Na Jamaica, um grupo de intelectuais assinou uma carta afirmando que não tinham nada a celebrar no aniversário de 70 anos do reinado de Elizabeth 2ª, porque esse teria sido "um período de grande sofrimento" para o país.

Uma foto em que William e Kate aparecem cumprimentando crianças por meio de uma grade causou repúdio. Ambos os casais reais tiveram de mudar trajetos de suas agendas devido aos protestos.

William, o primeiro na linha de sucessão, disse que a escravidão foi algo "abominável" e "nunca deveria ter acontecido". Agora, um pedido de desculpas mais enfático do novo monarca é esperado no Caribe. Ainda que simbólico, seria importante para o debate sobre os problemas atuais desses países, que têm raízes naquela época: desigualdade, racismo, pobreza e menosprezo pelo legado indígena, entre outros.

No meio acadêmico, vem sendo discutido o conceito de "decolonialidade" (sem a letra "s" mesmo), que propõe uma interpretação da história da perspectiva dos povos originários e escravizados, rejeitando e questionando o legado das metrópoles europeias no que diz respeito a cultura, política e simbologias.

Palavras do novo monarca podem reacender essas discussões. Seria saudável que a atual situação social e política das ex-colônias tivesse maior visibilidade. Da nova posição, Charles pode fazer gestos simbólicos que resultem em algo positivo para o Caribe, após tantos anos de exploração imperialista.

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