Sylvia Colombo

Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.

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Debilidade da Argentina é fruto e herança da tradição golpista

Olhar para trás nos ajuda a trazer mais elementos para montar quebra-cabeça das crises argentinas

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No próximo dia 10 de dezembro, completam-se 40 anos da posse de Raúl Alfonsín, o primeiro presidente eleito democraticamente depois da mais recente ditadura militar argentina (1976-1983). Em 10 de dezembro de 2023, tomará posse o sucessor de Alberto Fernández, que será escolhido nas eleições que se realizam neste domingo (22), ou num possível segundo turno, em 19 de novembro.

A saúde da democracia argentina não é das melhores. Porém, nesses tempos de análises rasas e lacrações nas redes sociais, há desinformação demais.

Comício de encerramento da campanha da candidata à Presidência da Argentina, Patricia Bullrich, em Buenos Aires
Comício de encerramento da campanha da candidata à Presidência da Argentina, Patricia Bullrich, em Buenos Aires - Martín Zabala - 16.out.2023/Xinhua

Por exemplo, a direita acha que a degradação econômica é culpa apenas do kirchnerismo, que considera uma força comunista, corrupta e populista. Já a esquerda diz que o país sofre hoje as consequências de planos liberais dos anos 1990, com suas privatizações, que terminaram na caótica crise de 2001.

Claro que é imprudente buscar no passado apenas um "pecado original". Porém, olhar para trás nos ajuda a trazer mais elementos para montar o quebra-cabeça das crises argentinas.

Equivoca-se quem pensa que a ultradireita acaba de nascer no país com Javier Milei e que suas ideias representam algo "novo" no cenário.

Aqui, eu voltaria até o ano de 1930, quando ocorreu o primeiro golpe militar argentino do século 20 (depois deste, vieram outros cinco).

O de 1930 é sintomático porque significou o fim da experiência reformista da União Cívica Radical, durante o governo de Hipólito Yrigoyen. O então presidente regulamentou o trabalho dos camponeses e as aposentadorias, chamou para o Estado a responsabilidade sobre os transportes (até então dominados pelos britânicos) e a energia. Planejava nacionalizar o petróleo, mas a elite econômica do país achou que aí já era demais.

Em 6 de setembro, Yrigoyen foi derrubado por um golpe de Estado liderado pelo general José Félix Uriburu, dando início à chamada "década infame". Uriburu, um nacionalista católico, perseguiu e reprimiu opositores.

Os golpes que sucederam o de 1930 —1943, 1955, 1962, 1966 e 1976— não contribuíram em nada na consolidação de um Estado de direito, de um país com instituições republicanas e independência de poderes. A atual debilidade do Estado argentino está diretamente relacionada a uma cultura política herdeira dessa tradição golpista. Esses episódios também mostram que as ideias de extrema direita sempre existiram na Argentina.

Além disso, a ditadura mais recente, iniciada em 1976, também levou a Argentina a uma guerra irracional e desnecessária com o Reino Unido, em 1982, na qual morreram 649 argentinos.

Obviamente não comparo aqui uma eventual vitória democrática de Milei com um golpe de Estado. Se ele de fato sentar-se no "sillón de Rivadavia" (cadeira presidencial argentina) com o voto popular, apenas demonstrará que esse pensamento autoritário de extrema direita segue vivo.

O kirchnerismo, com sua corrupção e enriquecimento ilícito também colaborou para a ascensão de Milei. Ninguém tira dos jovens humildes do conurbano bonaerense a legitimidade de sua indignação, o que deveria servir para uma autocrítica dessa força política, cuja importância atual reside no fato de ser a única que está presente nos bandejões populares, nas favelas e junto a setores pobres. De todas as críticas que se possam fazer a eles, é inegável que possuem um canal direto com a população mais pobre que nenhuma das outras forças têm.

A redemocratização do país nos anos 1980 teve altos e baixos, vinculados a essa herança de um século de golpes de Estado e também à inflação e à crise econômica em que a Argentina se encontrava no final do governo militar, aquele que se propunha a "reorganizar" o país.

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