Tabata Amaral

Cientista política, astrofísica e deputada federal por São Paulo. Formada em Harvard, criou o Mapa Educação e é cofundadora do Movimento Acredito.

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Tabata Amaral

A fome é professora

É preciso ouvir o alerta de Carolina de Jesus, feito há 70 anos

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As redes sociais amplificaram as vantagens da velha prática de "marcar posição": por que se aprofundar em discussões complexas e escolher o lado dos que não fazem lobby e talvez nunca saibam do seu posicionamento quando um vídeo viral, recheado de análises rasas e mentirosas, é um caminho mais certo para a reeleição?

Depois de cozinhar por nove meses a nossa proposta de prorrogação do auxílio emergencial, o governo e sua base se utilizaram da pressa dos milhões de brasileiros que estão há meses sem proteção para, em uma manobra, juntar na mesma PEC a retomada do auxílio e gatilhos fiscais que terão impacto só no longo prazo.

Ciente dessa estratégia, apresentei uma emenda para fatiar a PEC e votarmos apenas a parte sobre o auxílio, mas não obtive as assinaturas necessárias. Esse caminho não sendo possível, fiz o que qualquer pessoa que conhece a fome deveria fazer: optei pela aprovação imediata da PEC, a opção mais rápida e certa que tínhamos na mesa.

Para minha surpresa, a indignação com o meu voto repercutiu mais nas redes do que nossas inúmeras tentativas de pressionar o governo para aumentar o valor do auxílio. Como sempre, o ataque foi recheado de fake news, desta vez, de que os salários dos servidores seriam congelados por 15 anos. Essa estratégia covarde funcionou e permitiu que os que votaram contra a PEC e, portanto, contra o auxílio emergencial, já não fossem questionados.

Conseguimos preservar na PEC os recursos de fundos vinculados à saúde e à educação. O Congresso limitou os gatilhos fiscais a situações extremas, autorizando promoções e progressões e vedando o reajuste salarial para servidores de todos os Poderes somente quando as despesas obrigatórias de um dado governo ultrapassarem 95% das receitas.

Eu entendo que nem todos concordem que sem responsabilidade fiscal não há condições para a promoção da justiça social, mas alguém considera justo um prefeito ou governador fazer o reajuste salarial dos seus servidores se, para isso, tiver que destinar menos recursos para a merenda das crianças? É de escolhas difíceis como essa que a política é feita.

Carolina de Jesus, que por anos catou papel na favela do Canindé, já nos alertava nos anos 50: "O Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome. A fome também é professora. Quem passa fome aprende a pensar no próximo e nas crianças". A parcela mais vulnerável da população não faz lobby nem tem sindicato, mas constitui de longe o grupo mais afetado pelas políticas públicas por nós aprovadas, e, ainda que esse não seja o caminho mais popular ou fácil, é por eles que eu escolhi lutar.

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