O Pior da Semana

Escritora Tati Bernardi transforma em coluna as perguntas enviadas por leitores da Folha

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Os insuportáveis

Essas pessoas deveriam ser presas pelo Alexandre de Moraes

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Sônia me escreve pedindo uma lista das coisas que considero "mais irritantes e insuportáveis na vida e no mundo".

Acho que podemos pular as obviedades: racismo, machismo, bolsonarismo, fascismo, negacionismo contra a psicanálise e por aí vai. Vamos aos pequenos e tolos detalhes, que é onde reside alguma personalidade ou (mau) humor.

A primeira que me vem à mente é o pavor que tenho de quem escarra na rua.

Jamais vou entender a pessoa que dá um cuspidão de catarro fora de ambiente privado. Alguns ainda o fazem como se fosse a carta derradeira da vitória e pudessem gritar "truco", orgulhosos de serem repulsivos, como se tivessem vencido alguma maratona maluca contra a vida em sociedade.

Beckham aparece cuspindo no gramado da partida
O meia inglês David Beckham durante jogo entre Inglaterra e Paraguai, em Frankfurt, pela Copa do Mundo de 2006 - Kai Pfaffenbach/Reuters

O mesmo ódio eu destilo para quem faz aquela mãozinha de "tá no papo" e a passa pela nariga ranhenta com o intuito de dar uma saraivada de muco no ar. Deve ser o mesmo desgraçado que escarra. Essas pessoas deveriam ser presas pelo Alexandre de Moraes.

Me irrita bastante quem gargalha dizendo frases como "Acho que vou comer mais um pedacinho da sobremesa, hein? Que não sou boba, não!", ou ainda "parece coisa de tia trazer casaquinho, mas eu sempre trago". A pessoa diz isso e ri desbragadamente. Não entendo. Qual a graça em ser trivial, amigo? Cheirou Prozac no café da manhã?

Tenho pavor de quem espera "a vida decidir" ou "o tempo dizer" ou "o cosmos dar sinal de que é a hora".

Os adeptos do famigerado "o que tiver que ser será", manja? Possivelmente, são seres mais sábios que dormem melhor do que eu (no quesito saúde mental, jamais no quesito bons lençóis).

Mas eu tenho áries em três casas no mapa astral e nem cogito me tornar serena. Vivo em um estado de guerrilha mental e espiritual para agarrar o tal do destino pelos cornos e fazê-lo agir mediante o que eu quero e acredito. Desde criança eu já entendia o que o Geraldo Vandré queria dizer com "quem sabe faz a hora, não espera acontecer".

Dito isso, claramente sou ansiosa e sofro com filas —e muitas vezes as furo. Um defeito medonho. Não tenho orgulho algum disso. Mas ou furo ou vou embora.

Self-service com gente que demora, eu embico meu corpo, fechando a pessoa. Lançamento de livro com o escritor demorando meia hora com cada leitor, eu passo mal e já aviso: "tô indo embora". Daí rola climão e pronto, furei a fila. É pavoroso.

Também tenho gastura com quem se expressa mal por vaidade, e não por questões cognitivas.

Aquele sujeito que neurotiza cada porém de cada vírgula quase dita e se preocupa se a franja estava bem na hora de cada pronome possessivo quase anunciado. Porque nada pode dar errado com sua performance existencial. E volta e reedita e emudece e tosse com charme enquanto você está ali na frente da pessoa a esperando concluir um mísero raciocínio.

Mulheres que metem uma bunda malhada nas redes sociais e escrevem "não sou ninguém sem minha família e sem minha fé em Deus, obrigada". Ou que escancaram um belo par de tetas para apoiar a associação dos vira-latas do bairro.

Enfim, qualquer sexualização disfarçada de boa intenção me irrita. Sexualizar por si só já deveria ser uma boa intenção.

Por fim, acho que ao longo da vida fui garrando um horror muito profundo de sotaque de playboy paulistano.

Qualquer pessoa que puxe um "R" caipira, que escorregue num "X" carioca, que tenha aquela voz solícita e ansiosa de um mineiro ou que dance com as sílabas como os nortistas e nordestinos funciona como um descanso para meus ouvidos.

Acho que insuportável mesmo é São Paulo como um todo, ainda que eu sempre me irrite profundamente quando saio da cidade.


Tati Bernardi responde às perguntas mais inusitadas e aos comentários mais estranhos de seus leitores. Quer participar da coluna O Pior da Semana? Envie sua mensagem para tati.bernardi@grupofolha.com.br


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