O Pior da Semana

Escritora Tati Bernardi transforma em coluna as perguntas enviadas por leitores da Folha

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O que é ser fútil?

Gabriel pede que eu liste palavras, atos e pensamentos que definem um sujeito como frívolo

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Gabriel me escreve pedindo que eu liste palavras, atos, situações e pensamentos que possam definir um sujeito como fútil.

Achei interessante essa pergunta ter sido enviada justo no dia em que uma jovem comentou abaixo de um texto meu dizendo assim: "Graças a Deus, eu sou uma pessoa fútil. Vivo em paz, vivo de bem com a vida".

Minha crônica era tirando sarro do quanto o marketing anda abusando da palavra afeto. E um leitor (que certamente não é fútil) fez ótimas piadas: "Depois da cozinha afetiva, será que vão inventar a academia de jiu-jitsu afetiva? A oficina mecânica afetiva? O dentista tirador de siso de dentro do osso afetivo?"

Não entendi por que a mulher (que se autodeclara fútil) sentiu necessidade de comentar tal texto (não entendeu o conteúdo? É dona de uma sapataria afetiva e se ofendeu? Precisava desabafar na página alheia?).

Seu breve depoimento recebeu 189 curtidas. Um monte de gente respondeu que lhe apoiava. Outros, animados por uma espécie de pequeno acolhimento virtual, comemoraram sua declaração com uma avalanche de exclamações: "Eu também! Viva!!! Aê!!!!"

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Catarina Pignato

Fiquei curiosa e fui ver o que a garota fazia da vida, que tipo de coisas lhe interessavam. Aparentemente rica, ela ama a Itália, o pôr do sol e looks de moda no tom bege. Vasculhei, vasculhei, vasculhei, mas era só isso mesmo. Dá para cravar que ela é frívola pelo Instagram? Não sei.

Eu não me considero oca e 1) adoraria ser rica, 2) amo a Itália, 3) não tenho nada contra o pôr do sol e 4) uso bastante uma camisa de linho bege que me confere um semblante maduríssimo, sobretudo quando a visto bem amassada.

Agora... Pode ser que a fulana seja interessantíssima para um bate papo? Bem, ela não parece gostar de livros, jornalismo, pautas democráticas, cinema e quando diz que ama a Itália ela jamais se refere a sua história, música, literatura ou obras de arte.

Conheço gente que não entende ironia, mas teria um AVC espiritual ao me ver tentando fazer, de cabeça, uma simples conta de multiplicação. Conheço uma garota que entrou em primeiro lugar em quatro faculdades, mas tinha uma incapacidade tão gritante para iniciar ou manter qualquer assunto minimamente esperto, que no trabalho a apelidamos de "papo de elevador".

A depender do foco que você queira dar, nenhuma dessas pessoas poderia ser considerada unissonamente notável, excepcional, tampouco medíocre. E se você acha que vou meter um clichezão "toda unanimidade é burra" se enganou, porque tendo a achar clichês (que não vêm acompanhados de autoironia sobre o uso deles) um tanto reles.

Prefiro pensar em um gráfico onde todos podem ser muito, médio ou nada fúteis ao longo do dia. Hoje mesmo fiquei 40 minutos na internet pesquisando sobre a melhor marca de Whey Protein. Isso necessariamente me enquadra em um espectro de futilidade?

Tenho uma síndrome que me causa deficiência de colágeno no corpo. Chama-se síndrome da hipermobilidade. Tem gente que chama de frouxidão ligamentar. Tem gente que ao ver meu alongamento faz a piadinha de tio do pavê: "Poderia trabalhar no circo."

Eu só me considero flácida "pacarai", do tipo que não pega músculo no muque nem com muay thai e reza brava. E isso nunca foi um problema até eu completar 40 anos e meu corpo começar a doer como se eu fosse uma lenhadora de 89 anos. Eu machuco meus ligamentos só de segurar um livro pesado.

Tomar whey protein, no meu caso, não é para virar uma influencer fitness, mas para poder, como diria a mulher que se autointitulou fútil, "viver em paz, viver de bem com a vida", segurando um Dostoievski bem pesado.

Mentira, na real, eu só surto todo mês de dezembro, achando que preciso desesperadamente melhorar a aparência da minha bunda para o verão, mas eu faço esteira ouvindo o podcast Foro de Teresina (mentira, é Anitta). Enfim.


Tem algum questionamento inusitado, uma reflexão incomum ou um caso insólito para contar? Participe da coluna O Pior da Semana enviando sua mensagem para tati.bernardi@grupofolha.com.br

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