O Pior da Semana

Escritora Tati Bernardi transforma em coluna as perguntas enviadas por leitores da Folha

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Brotas & brioco

Não dei zoom em suas fotos, mas imagino que sua suvaca possa ser lindamente peluda

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Soraia quer saber quais são meus principais arrependimentos na vida.

Passei o dia inteiro aqui tentando pensar uma listinha profunda, sensível, que me reafirmasse como a escritora complexa que acredito ser. Todavia, Soraia merece a minha verdade. As duas primeiras que me vieram a mente foram: acampamento em Brotas e depilação anal.

Dormir em uma barraca está entre as piores coisas que podem acontecer a um ser humano. Já tive uma H3N2 que me deixou internada, sem conseguir ficar de pé, que me fez mandar áudios chorosos e desesperados de despedidas em grupos de amigos e familiares.

Mesmo assim, nunca, nunca, nem por um segundo, considerei este feriado de 2021, em que dormi no hospital com 43 graus de febre, pior do que o feriado de 2003 em que acampei por metade de um dia. Sim, porque na manhã seguinte eu recolhi minhas coisinhas e voltei para casa.

O namorado da época ameaçou terminar tudo "se você for mesmo esse tipo de mulher". Ele tinha umas 654 picadas de inseto pelo corpo, ele usava uma bermuda cargo bege imunda que combinava com seu cantil marrom e com a sua papate marrom. Lembro-me de pensar "como eu vou abrir mão desse bom partido tão promissor e sensual" —porque a gente ama muita coisa bizarra na vida antes de chegar a uma idade em que nos tornamos mentalmente decentes.

Mas, mesmo sabendo a dor de perder aquele macho e a promessa grandiosa de um futuro pleno ao seu lado, eu disse "tudo bem, acabou" como quem diz ao caixa da padaria que ele não precisa se matar para achar uma moeda de cinco centavos.

Tati Bernardi Coluna Piores Perguntas - 1003
Catarina Pignato

Mas voltemos a questão da depilação anal.

Soraia, que me mandou a pergunta por Instagram, se autodefine como uma feminista de mente aberta e corpo livre. Não dei zoom em suas fotos, mas imagino que sua suvaca possa ser lindamente peluda. O que eu acho tremendamente sexy em outras mulheres, mas eu dificilmente poderei "usar" este último grito da moda militante, posto que depilei as minhas axilas a laser tem mais de 15 anos.

Sou de uma geração em que muita coisa deu errado. Soraia é de uma geração que outras coisas deram muito errado. Uma das coisas que definitivamente deu errado em minha geração é que, aos 27 anos, eu fui até um estabelecimento com água saborizada de limão e hortelã na recepção (antes de todo lugar ter isso) que ficava na Rua Estados Unidos, fiquei nua e de quatro, e permiti que uma mulher com os óculos do "M.I.B., Homens de Preto" (eu também usava um igual) metesse um laser no meu ânus.

Doeu como poucas coisas na vida. E toda a cena foi humilhante demais porque eu gemia pelada, de quatro e de óculos escuros em uma sala toda branca que tocava Djavan. Tudo isso pra quê, minha irmã Soraia? Pra quê, me diz? Pra HOMEM. Eu nem era adepta de posições em decúbito dorsal, mas era de bom-tom, na época, que nosso ânus não ofendesse os fofos exibindo a sua natureza real.

Hoje eu não faria isso. Você, Soraia, nunca faria isso. Mas em 2007, quatro anos depois que tentei agradar um homem em um acampamento em Brotas, eu tentei agradar outro homem depilando a laser meu brioco. Um homem que não merecia nem um "opa, como vai?" em elevador. O que dirá que eu gastasse uma fortuna (era caríssimo na época) para desmatar meu furico.

Você, Soraia, talvez consiga ter relacionamentos abertos, consiga viver todo o esplendor do seu prazer e do seu desejo. E fazer, sem subterfúgios, o que todo mundo já fez pelo menos uma vez na vida, que é ficar a fim de mais de uma ou seis pessoas ao mesmo tempo.

Mas eu sou da geração da xana depilada com cera quente de mel, deixando só aquele "v" bonitinho. Sou da geração dos grandes lábios lisinhos, para não fazer os meninos se engasgarem no sexo oral com nossos diabólicos pelos. Tadinhos, né? Isso quando eles topavam fazer algo por nós.

A invenção do homem preocupado com nosso prazer, confesso, surgiu eu já tinha mais de 37 anos. Até hoje, quando vejo mulher de biquini com a bigodeira toda pra fora, eu penso "minha filha, por Deus, tá legal isso não, anjo".

Muita coisa deu errado com a minha geração, com a lama que foi introjetada dentro do meu cérebro, mas sempre é tempo de mudar. Faz uns dois anos os pelos de baixo começaram a voltar.

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Tem algum questionamento inusitado, uma reflexão incomum ou um caso insólito para contar? Participe da coluna O Pior da Semana enviando sua mensagem para tati.bernardi@grupofolha.com.br

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