Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

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Pode acabar mal a dose diária de hostilidade entre EUA e China

A cada dia um novo movimento empurra relações entre os países para mais perto do precipício

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A cada dia um novo movimento empurra as relações EUA-China para mais perto do precipício.

Já se tornou lugar comum dizer que a Covid-19 acelerou tendências que estavam em curso. Mas em nenhuma área isso é tão significativo quanto na deterioração do relacionamento mais importante deste século.

Nos últimos meses, aumentou nos EUA a pressão pelo descolamento econômico e tecnológico entre os dois países. Jornalistas chineses foram expulsos dos EUA, e o mesmo se passou com americanos na China.

Tensões a respeito de Hong Kong tornaram-se agudas. Divergências entre ambos impediram a adoção, no Conselho de Segurança da ONU, de um cessar-fogo mundial durante a pandemia. A Organização Mundial da Saúde foi transformada em campo de batalha.

O presidente dos EUA, Donald Trump, à esq., e o líder chinês, Xi Jinping, em encontro durante reunião do G20 em Osaka
O presidente dos EUA, Donald Trump, à esq., e o líder chinês, Xi Jinping, em encontro durante reunião do G20 em Osaka - Brendan Smialowski - 29.jun.19/AFP

É fácil perder de vista a gravidade de episódios específicos e, pior, não enxergar o quadro perigoso que se compõe na esteira de tantos infortúnios.

Preocupa também a velocidade com que a retórica se tornou mais agressiva. Outro dia, um canal de televisão chinês mostrava o secretário de Estado americano num de seus proverbiais ataques à China —nem lembro mais qual era.

O que me chamou a atenção veio depois. A cena congela na imagem de Mike Pompeo, o chefe da diplomacia da maior potência mundial.

De repente, o rosto de Pompeo é carimbado com “mentiroso” em letras garrafais vermelhas, em pleno noticiário. Alvo favorito da imprensa chinesa, ele acumula os apelidos de inimigo da humanidade, vírus político e praticante de diplomacia venenosa.

Também impressiona a imagem, há algumas semanas, em que Donald Trump, ao se preparar para um discurso, lê o rascunho que lhe havia sido preparado.

De próprio punho, risca cuidadosamente “corona”, em “coronavírus”, para adotar vírus de Wuhan em seu lugar —referência altamente ofensiva para os chineses.

Na última sexta-feira (29), Trump anunciou no jardim da Casa Branca uma série de medidas contra a China, em meio a mais hostilidades.

Ecoando o presidente, uma porta-voz do Departamento de Estado tuitou a respeito da lei de segurança nacional de Hong Kong, em tom de lição de moral à China. Apertando onde dói, a porta-voz da chancelaria chinesa respondeu simplesmente “eu não consigo respirar”.

E, assim, entre palavras e ações, chegamos ao pior momento da relação entre China e EUA em 40 anos. A pandemia colocou tanto Washington quanto Pequim sob pressão.

Tirou a economia americana dos eixos e impôs a maior retração do PIB chinês desde a Grande Fome. Nesse contexto, para lidar com questões internas, os dois lados têm alimentado o nacionalismo, insuflado os ânimos e apontado o dedo para os problemas do outro.

Se um grau de competição é inevitável entre as duas potências, é fundamental que as tensões se mantenham dentro de determinados parâmetros, que não fujam ao controle e não transbordem para o domínio militar.

Ao flertarem com o abismo, EUA e China colocam em risco os interesses do mundo inteiro.

Está passando da hora de interromper a marcha da insensatez, na expressão da historiadora americana Barbara Tuchman. Resgatando eventos passados, ela mostra como governos implementaram políticas contrárias aos seus interesses e avançaram rumo ao precipício mesmo quando todos os sinais já mostravam que o caminho seria desastroso.

A dinâmica de agressividade entre as duas potências, com doses diárias de hostilidades, vai perigosamente ganhando ares de normalidade. Não é normal.

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