Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Tatiana Prazeres
Descrição de chapéu

Quatro pontos para entender a década da China

País tornou-se mais assertivo no âmbito externo e mais controlador internamente

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

China grande, China má e China esquisita. As notícias sobre a China na imprensa internacional quase sempre se encaixam numa dessas categorias, resumiu um experiente jornalista do Financial Times.

Ao fazer uma retrospectiva da cobertura sobre a China no período de 2011-2020, fico com a impressão de que Jamil Anderlini tem razão. As notícias sobre o país destacam seus números superlativos –como nas vendas no Dia dos Solteiros, no combate à pobreza, na quantidade de pessoas online.

Ou tratam da China maquiavélica –como nas histórias sobre tratamento aos uigures. Ou de curiosidades e mesmo esquisitices –aí há para todos os gostos. E o ciclo de notícias se repete nesta moldura.

Na história da China na última década, o que realmente importa? O que é ruído e o que é luz na tentativa de explicar os anos 2011-2020 para a China? Estes são quatro aspectos a reter:

  1. A China termina a década muito mais autoconfiante. O ponto de inflexão foi a crise financeira de 2008-2009. A partir dali, seus líderes firmaram entendimento de que não precisavam tomar lições do Ocidente a respeito de como conduzir a economia. E dobraram a aposta no modelo “com características chinesas”. Em 2010 a China ultrapassou o Japão e passou a ser a segunda maior economia do mundo. Tornou-se a principal potência comercial em 2013. Para completar, o controle da Covid-19 na China –enquanto o resto do mundo ainda patina– sela a década da autoconfiança.
  2. A China tornou-se mais assertiva no plano externo. Definitivamente ficou para trás o mantra de Deng Xiaoping, segundo o qual o país deveria manter um perfil discreto, esconder suas forças e ganhar tempo. O país claramente almeja espaço no plano externo compatível com o seu peso econômico no mundo. Anunciada em 2013, a Iniciativa do Cinturão e Rota é simbólica das ambições internacionais do país. A liderança na criação do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, em 2015, também.
  3. No plano interno, aumentou o poder do Estado sobre a sociedade. O Partido Comunista –e Xi Jinping– se fortaleceram. A década viu uma reforma constitucional para abolir o limite de dois mandatos para o presidente, beneficiando Xi. As políticas para Xinjiang, as novas restrições a Hong Kong e o uso de tecnologia para controle das pessoas e da informação são vistos como emblemáticos de uma China menos liberal.
  4. Em toda a década, a China apostou no desenvolvimento tecnológico –para Marcos Caramuru, um dos maiores especialistas em China no Brasil, esse é o principal traço distintivo do período. A China se digitalizou rapidamente, com implicações profundas sobre a economia e a sociedade. A política “Made in China 2025”, anunciada em 2015, é um marco das ambições tecnológicas do país. Inteligência Artificial ganhou uma política própria e status de prioridade. Apenas neste ano –de pandemia–, houve sonda pousando na lua, anúncio de computador quântico e o lançamento do BeiDou –o GPS chinês, mais preciso que o GPS. Não surpreende que, também por isso, a década tenha sido marcada pela preocupação crescente com a China por parte dos EUA e de outros países de peso, nota Caramuru.

Com a ascensão chinesa, a década consolidou um processo de mudança estrutural na ordem internacional. As cenas dos próximos capítulos incluem esforços para se criar um novo modus vivendi com os chineses, mas também iniciativas para conter a China.

Essa dinâmica estará no pano de fundo das notícias da próxima década que, na superfície, seguirão tratando a China como grande, má e esquisita.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.