Era uma vez três irmãs que ocuparam o epicentro das transformações da China do século 20. A história extraordinária das Soong é contada por Jung Chang no livro "Três Irmãs: As Mulheres que Definiram a China Moderna" (Companhia das Letras). É um dos destaques entre os livros publicados sobre a China em português neste ano.
Nascidas em Xangai entre 1889 e 1898, as irmãs Soong viveram um período turbulento do país. A partir dos seus casamentos, tiveram papel-chave no estabelecimento da República, no comando dos comunistas pós-guerra civil e na resistência oferecida pelos nacionalistas em Taiwan.
A irmã do meio, Ching-ling, casou-se com Sun Yat-Sen, conhecido como o pai da República chinesa. Grande entusiasta da causa republicana, Ching-ling apaixonou-se pelo seu líder e com ele enfrentou anos conturbados do fim do império.
Ela, porém, interessou-se pelo comunismo quando seu marido, por conveniência, se aproximou da União Soviética. Com a morte de Sun e o crescimento do movimento comunista, Ching-ling abraçou a causa e adquiriu estatura política própria. Quando Mao Tse-Tung assumiu o poder, estava junto a ele no portão da praça da Paz Celestial. A chamada Irmã Vermelha veio a ser vice-presidente de Mao.
A mais nova, Mei-Ling, casou-se com Chiang Kai-Shek e foi primeira-dama da República da China. Também teve peso político próprio. Viajou aos EUA para angariar apoio ao marido na luta contra os japoneses durante a Segunda Guerra Mundial em 1943 e encantou o Congresso americano com um discurso em inglês impecável, que lhe rendeu aplausos de pé por longos quatro minutos. Quando os nacionalistas perderam a guerra civil, refugiou-se em Taiwan com o generalíssimo. Enquanto a Irmã Vermelha dedicava-se à causa comunista, Mei-Ling estava justamente no lado oposto.
A irmã mais velha, Er-Ling, casou-se com o homem mais rico da China. Em função das conexões da esposa, H. H. Kung ocupou cargos de primeiro-ministro e ministro das Finanças por vários anos (contribuindo, aliás, para a fortuna do casal). Detentora de grande influência política, Er-Ling atuou como conselheira informal do cunhado Chiang Kai-Shek. A irmã mais velha e a mais nova, anticomunistas convictas, eram especialmente próximas.
Jung Chang lança luzes sobre o papel dessas três mulheres em anos-chave para a formação da China moderna —e o livro surpreende porque estamos habituados à versão da história protagonizada por homens. Entre os bastidores e a linha de frente, as irmãs Soong têm importância inquestionável.
"Três Irmãs", ademais, traz um olhar chinês sobre a China —pode parecer algo menor, mas mal nos damos conta de quão acostumados estamos a aprender sobre o país a partir de leituras de estrangeiros. E mais, de homens. Jung Chang, também autora de "Cisnes Selvagens", enriquece nossa compreensão da história não apenas pelo foco do estudo, mas pelo olhar de uma mulher nascida e criada na China.
Num ano em que feminismo, #metoo e Peng Shuai renderam manchetes, "Três Irmãs" oferece uma ponte entre o passado e o presente.
Pode parecer paradoxal que, diante da velocidade dos acontecimentos na China dos últimos anos, este livro de natureza histórica mereça destaque. Mas ele é uma brisa de ar fresco na vastidão de publicações recentes sobre o país. Dá um descanso do ritmo alucinado do noticiário sobre China —e das conversas sobre tensões geopolíticas, nova Guerra Fria e crises prestes a explodir.
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