Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

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Agenda climática é mais uma vítima da Guerra da Ucrânia, ao menos a curto prazo

Conflito, geopolítica e fragmentação do mercado energético global prejudicam políticas ambientais

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O caminho rumo à descarbonização nunca foi uma linha reta. Com a guerra, no entanto, o combate às mudanças climáticas pode andar para trás antes de avançar.

A sustentabilidade perde prioridade diante do conflito na Ucrânia, de suas implicações geopolíticas e da crise energética. O aumento de gastos militares tira recursos de outras pautas, inclusive da transição para uma economia de baixo carbono. A curto prazo, a guerra tem levado a uma corrida para a segurança energética convencional baseada em combustíveis fósseis, incluindo gás, mas também carvão.

Complexo de aquecimento a carvão em Harbin, na província de Heilongjiang
Complexo de aquecimento a carvão em Harbin, na província de Heilongjiang - Muyu Xu - 15.nov.19/Reuters

Nos EUA, a agenda ambiental de Joe Biden perde força, mesmo que as grandes corporações mantenham suas metas ambientais. Sob o argumento de diminuir o poder da Rússia sobre a Europa, Washington aumenta a produção e a exportação de petróleo e gás para o bloco. Além disso, caso os republicanos recuperem o controle do Congresso em novembro, cai ainda mais a importância relativa da transição para energias limpas.

Na China, a sustentabilidade certamente não está no topo das preocupações do momento. No ano em que Xi Jinping busca um novo mandato, a prioridade é garantir um crescimento econômico decente mesmo diante da política de tolerância zero à Covid. Para isso, não pode faltar luz (o que ocorreu em 2021).

A preocupação com segurança energética eleva a produção de carvão a níveis nunca antes vistos. A relação com a Rússia garante o petróleo que a China não está pronta para dispensar. É verdade que, ao mesmo tempo, o país investe com gosto em energias limpas. Mas o carvão, abundante, é porto seguro diante do imperativo de assegurar crescimento e estabilidade.

Na Europa, a tensão é mais aguda entre, de um lado, segurança energética e nacional e, de outro, transição climática. Ao buscar diminuir a dependência energética em relação à Rússia, o continente quer tirar o oxigênio que financia a guerra de Putin, mas precisa atingir esse resultado sem comprometer o próprio abastecimento.

E o desafio não termina aí: Bruxelas pretende aproveitar este momento para acelerar a transição em favor de energias limpas, ao invés de retardar o processo. Energia nuclear aparece, cada vez mais, como necessária para a conta fechar. Não se sabe em que grau a UE conseguirá atingir os diferentes objetivos ao mesmo tempo. No calor do conflito, no entanto, preocupações de segurança tomam precedência.

A guerra contribui para a fragmentação do mercado global de energia, como me comenta Eduardo Viola, do IEA/USP e da FGV-SP. Há um aumento da interdependência energética entre China e Rússia, assim como entre EUA e Europa, com o Oriente Médio atuando nos dois mercados.

Um rearranjo dessa ordem fortalece aqueles que, tanto nos EUA como na China, priorizam a agenda de segurança e têm uma visão linha dura sobre o relacionamento bilateral. Essa nova configuração da geopolítica energética favorece as forças pró-carvão em Pequim e pró-xisto em Washington, nota o professor. Tal cenário diminui, ainda mais, o espaço para cooperação climática entre os dois maiores emissores globais de CO₂. Para completar, a Índia, na terceira colocação em emissões, intensifica o uso de carvão diante de receios com fornecimento de energia (e uma onda brutal de calor).

Um dia antes de a Rússia invadir a Ucrânia, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU divulgou um relatório alarmante sobre o aquecimento global. Pois virou nota de rodapé no noticiário mundo afora diante do que se seguiu. A Cúpula de Glasgow sobre o clima, realizada em novembro de 2021, parece ter ocorrido em outra era geopolítica.

A curto prazo, pelo menos, a agenda climática é mais uma vítima da Guerra da Ucrânia.

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