Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi
Descrição de chapéu

O membro do bem 

Tapiocas do bem, granolas do bem e massas do bem entediam de tão ultrapassadas

Produtos veganos do mercadinho natural Lifethyme, que fica em Nova York
Produtos veganos do mercadinho natural Lifethyme, que fica em Nova York - Yuri Gonzaga - 14.set.2015/Folhapress

Minha missão é enriquecer. Para tal, já percebi que não será exatamente trabalhando que conquistarei essa façanha. Também não será de forma grotescamente ilícita, pois tenho caráter. De modo que, esperta que sou, com a leitura sempre em dia e cursos de marketing no currículo, já saquei que a modinha dos produtos (alimentícios, de higiene, de vestimenta, de papelaria, farmacêuticos, veterinários, de luxo, de lixo...) "do bem" não foi passageira. Ela segue como novidade neste 2018 e tem seu lugar até no coração de gente que consegue conversar uma ou outra coisa interessante. Ela dividiu o mundo entre pessoas boas e pessoas más e isso, meu amigo, foi a coisa mais esperta que já fizeram. Não é mais uma questão de "quem é você na fila do pão" e sim "qual a cor da sua aura comprando pão integral na fila que você está há 45 horas porque deixa todo mundo passar na frente".

Você não quer tomar um suco nojento cheio de açúcares e químicas e conservantes. Você quer aquele colhido do pé por uma vovozinha com axilas sabor canela. Nem adição de água a vovozinha coloca. E, só porque te ama, a vovozinha vai a pé do sitiozinho dela, sem gastar nenhuma pegadinha de carbono, até um supermercado na alameda Lorena e deixa lá o suquinho pra você. Com um bilhetinho escrito "do bem". Se você não for uma pessoa tão bondosa quanto aquele suquinho e aquela vovozinha, e não adquirir esse néctar da fofura suprema, automaticamente, em alguma rede social, vão marcar seu nome em um acidente terrível na Ásia. Está tudo interligado. Você, se escolher o sacolé de anilina, pode ser considerado mais um a ter o botão da bomba atômica.

Tapiocas do bem, granolas do bem e massas prontas do bem chegam a entediar de tão ultrapassadas. Outro dia vi um salgadinho de toicinho do bem. Tintas spray, fumaças de escapamento e bolhas de lixo tóxico em rios não demoram a ter selos do bem.

Eu poderia patentear os antibióticos do bem, os tarjas-pretas do bem, os relaxantes musculares com ópio do bem, contudo estou certa de que alguém já o fez.

Mas porque tenho as leituras em dia e cursos de marketing no currículo, saquei tudo e quero dividir com vocês. O lance agora, meus amigos, são os paus do bem. Muito já se clama por eles, são assuntos nos melhores jornais do mundo, mas ainda não os encontramos listados, higienizados, cauterizados, castrados, circuncidados e calados em um único lugar! Pois seus problemas acabaram!

Lanço a fanpage essa semana. O Instagram na que vem. "Pau do bem! Abra-se para essa experiência controlada!". Consegui até uma licença poética para chamar "paypal" de "paypau". São pênis de vários tamanhos, etnias e formatos submetidos a um rígido controle de qualidade do bem: não praticar o falocentrismo; jamais entumecer ao ver uma moça até que ela assine uma carta de próprio punho liberando a grandiloquência de cada uma das veias; somente regurgitar fecundâncias depois que suas parceiras tenham 67 orgasmos atestados em cartório; não escrever e-mails ou mensagens com cunho gracinha em ambiente onde se ganha o pão integral (tampouco fora dele); somente usar o termo "surra de" após um dossiê previamente acordado entre as partes com o aval de 12 testemunhas incluindo as mães de ambos interessados. Ao se cadastrar você ganha uma bolha de oxigênio descartável, um cercadinho VIP com madeira de demolição ecológica e um kit álcool gel orgânico.

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