Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

Os brancos estão desesperados

Alternam entre uma salva de palmas pra si e uma oração compungida

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Não sei como andam seus brancos, mas os meus não andam bem. Alguns já não conseguem mais dançar sem imitar o João Doria (é exatamente como bailam, mas o branco progressista raiz é o que faz a sátira do que de fato é) e, assim que ficam felizes, soa a sirene do alerta de privilégio e, apavorados, já metem um: "Mas você sabe, eu tenho tendência a uma tristeza que é herança de família". Família? Escravagista. Herança? Escravagista.

Enojados de si, começam a enfiar o dedo indicador no pé, pra arrumar algo que está incomodando entre a meia Happy Socks e os tênis Vert. É só uma desculpa pra abaixar a cabeça pois sabemos que as meias Happy Socks e os tênis Vert jamais machucariam um branco progressista em festas de brancos progressistas.

Ser branco em festas de gente branca progressista é algo que será proibido em breve pelo próprio branco que está dando a festa - Gabriel Cabral/Folhapress

Tem uma hora que a gente simplesmente apaga a luz e dança. Ninguém pode nos reconhecer ou será que queremos chorar em paz e nos despedir da alegria?

Ser branco em festas de gente branca progressista é algo que será proibido em breve pelo próprio branco que está dando a festa e que sabe que deveria estar proibido de estar em sua própria casa dando uma festa. Tudo isso por que somos culpados e temos uma conta a pagar por nossos antepassados? Eu falei "antepassados"? Fomos escrotos não faz nem meia hora e precisamos morrer e nascer mil vezes pra ser decente? Tem uns 22% disso aí. A real é que todo mundo só quer engajar bonito. Do influencer ao sociólogo da USP. É tipo a onda da coxinha de jaca. E é tarde demais porque já paguei R$ 21 num bolovo gourmet no centro.

Nas reuniões com a galera do cinema, percebo um movimento comum entre diretores brancos: nem sequer esbarram em você e já pedem "mil desculpas". Lamentam terem nascido homens e terem nascido brancos. Fazem isso pra equilibrar o tanto que celebram a própria existência. Suas mãos alternam entre uma salva de palmas pra si mesmos e uma oração compungida.

Salivam por um tumorzinho benigno em algum lugar do corpo, só pra terem um assunto que os proteja. Porque não basta estar no topo da cadeia alimentar, é preciso ser humilde e bom (porque este, segundo o Instagram, é o novo topo da cadeia alimentar).

Na TV, se a protagonista é branca, a culpa é tanta que de repente 874 pessoas da equipe brigam. As influencers estão desesperadíssimas. Se você é branca e mora na zona oeste, é preciso ao menos ser mãe solo ou ter sofrido um assediozinho moral pra contar em uma live. Tenho amiga branca mãe solo que a criança tem pai, padrasto, babá e 16 anos, mas o que ela vai fazer da vida em termos de profissão engajadíssima se ela não puder dizer que é mãe solo?

E é preciso ser muito feminista, ainda que você ache que seu ex-marido tem que pagar mais contas que você e te deixar um apartamento. Conheço quatro feministíssimas que inventaram um evento feministíssimo e brigaram de morte porque uma queria aparecer mais do que a outra. Não se falam. Rolou até tapa na cara, bêbadas. No dia seguinte ao evento nenhuma mulher periférica ou preta ou indígena teve destaque. Nenhuma. As feministíssimas ganharam todo o espaço da mídia.

Uma atriz branquíssima anda tão culpada que começou a insistir em um discurso triste sobre sua transição capilar. Desde que assumiu os cachos loiros engajou muito nas redes sociais. Com sorte, ela poderá dar em breve uma festa de aniversário e não ir.

Descobri esses dias que neste jornal há três brancos moradores da zona oeste que torcem o nariz para mim porque sou branca moradora da zona oeste. Mas não somos a mesma merda? Não, minha amiga branca que gosta de mim, mas também gosta desses brancos, me explica: "é que você fala sobre você". Lembro do desespero de meus amigos escritores tentando colocar personagens pretos, pobres, indígenas e trans em seus livros: "Dá trabalho, não é um assunto que conhecemos bem, mas o livro viaja melhor". Quem no Instagram dirá que tudo o que fazem é apenas para que seus livros conheçam Paris?

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