Ultimamente tenho lembrado de William Burroughs, o longevo escritor que foi usuário de opioides e, para seguir usando drogas sempre, tomava o cuidado de fazer limpezas periódicas. Venho praticando a mesma técnica com aquela substância pesada chamada Instagram.
Nos dias em que resolvo fazer um detox e apagar o aplicativo, meu indicador vaga desorientado pelos becos do celular a procura de alguma migalha, a falange inquieta feito o pescoço de um usuário, revirando qualquer coisa que aparece, como app de previsão do tempo e mensagem de despachante.
Filas e salas de espera tornam-se um martírio e sou obrigada a fazer coisas hoje impensáveis, como fitar um quadro ou observar a beleza de uma planta –por que essas indolentes não desabrocham em velocidade 1.5x?
Passados os sintomas da abstinência, vem a recompensa: conseguir ler por meia hora ininterrupta, sem ficar parando para dar uma entradinha naquele "vácuo de baixa intensidade emocional", como tão bem cunhou Jonathan Crary, em seu "24/7 Capitalismo Tardio e os Fins do Sono".
Nesse mesmo livro, Crary comenta que o único lugar ainda não colonizado pelo capitalismo é o sono. Ainda. Ao que tudo indica, logo estaremos acordando de madrugada para pitar um feed cheio de novidades irrelevantes e ofertas.
O cachimbinho de Zuckerberg pode não envolver substâncias químicas mas causa dependência à medida que ativa o nosso sistema de recompensa. E como as redes também trazem alguns benefícios, sequer conseguimos demonizá-las.
Desde que o sapiens é sapiens, quase todo mundo usa alguma substância para descomprimir, ainda que seja uma tola cervejinha. Da próxima vez que meu narciso se debruçar sobre as águas límpidas da tela do celular, tentarei ver através da minha própria imagem. Entra droga sai droga, é lá dentro de nós, na incontornável angústia de estar vivo, que mora o verdadeiro perigo.
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