Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi
Descrição de chapéu Todas É Coisa Fina

A psicanálise do colapso

Livro aborda momento agudo e exato que antecede uma queda psíquica

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Christopher Bollas, que eu não conhecia antes de a editora Nós (selo Nós Psi) lançar este "Segure-os Antes que Caiam", já virou umas das minhas pessoas preferidas do mundo.

Assim que comecei a falar dele com amigos da área da saúde mental, descobri vários grupos dedicados a estudar seus livros e pesquisas. Alguns grandes nomes da psicanálise, tais como Luciana Pires e Lia Pitliuk, estão entre os mestres que conhecem a fundo a obra do autor. Não à toa são também especialistas da obra do inglês D. W. Winnicott.

Um psicanalista precisa ter muita coragem e um desejo genuíno (até mesmo obsessivo) de ajudar seus analisandos que apresentam "selves colapsados" para ir contra preceitos já fortemente estabelecidos pelos discípulos da ciência freudiana. Sem falar da briga que o autor comprou com a psiquiatria e a terapia cognitiva comportamental.

É preciso audácia e bravura para atender um paciente psicótico (ou em vias de ter um surto psicótico) negando-se a entregá-lo às pressas para os braços seguros da farmacologia. Segundo Christopher, na Europa é mais tranquilo operar dessa forma, já nos EUA, mesmo que muitos analistas corroborem e se encantem com seus ensinamentos (e profundo conhecimento empírico), a constante ameaça de processos jurídicos os inibem.

Bollas notou sinais semelhantes em pacientes que estavam prestes a atravessar a fronteira entre a neurose e a psicose: "uma mudança na inflexão vocal, no humor e na maneira de se movimentar, desligados de seus próprios corpos". Outro comportamento característico, mais encontrado em adolescentes, é o self em "estado espacial", como se o sujeito observasse tudo "à meia distância, acompanhado por períodos de silêncio singularmente longos".

A ilustração figurativa de Ricardo Cammarota foi executada em técnica manual, com pincel e tinta nanquim sobre papel branco e, posteriormente, colonizada digitalmente nas cores: azul céu, rosa e amarelo.  A imagem, na horizontal, proporção 17,5cm x 9,5cm, apresenta à esquerda um cérebro cor rosa, estilizado, com contornos com linhas pretas e, à direita, uma imagem, semelhante ao formato e tamanho do cérebro ao lado, em cor amarelo, porém, a imagem é de uma explosão estilizada de uma bomba atômica.
Ricardo Cammarota/Folhapress

Christopher percebeu também que interná-los em clínicas psiquiátricas, nas quais o recurso da medicação controlada obviamente seria utilizado, seria um abalo eterno no processo de melhora e amadurecimento do analisando, podendo "impactar um indivíduo pelo resto de sua vida".

Por fim, concluiu que o período que antecedia um surto psicótico grave e já sinalizado era preciosíssimo para a terapia —"o trabalho interpretativo, no cerne da doença, pode ser profundamente transformativo". Era preciso mergulhar naquela angústia insuportável (ou no estado de desvario que começava a se formar em decorrência de uma dor traumática) e não correr para estancá-la.

Obviamente seus haters enlouqueceram (desculpe se uso palavras grosseiramente populares para falar de um estudioso dessa magnitude, mas sinto que preciso popularizar ao máximo esta obra, estou certa da sua importância e não acredito que ela deva se reduzir aos acadêmicos) e foram muitos os médicos e psicólogos mais conservadores que atribuíram ao seu método características de tortura, afirmando que era perigoso e sofrido demais manter um doente longe da hospitalização e da intervenção psicotrópica tradicional.

Foi então que ele começou a sugerir aos seus pacientes em colapso não somente um aumento do número de sessões semanais, mas também dois encontros na mesma data ou até um dia inteiro de trabalho analítico.

Muitos foram contra, argumentando que tanta terapia só poderia dar certo com quem tem dinheiro para tal. Mas Christopher Bollas não cobrava nada a mais do que o paciente já lhe pagava antes de dar os sinais de que precisava de um acolhimento para além da abordagem clínica comum.

Para Bollas, muitas das pessoas que recebem a posteriori diagnósticos como "esquizoides, esquizoafetivas ou cronicamente deprimidas", na verdade passaram a apresentar tais sintomas na passagem para a vida adulta. E antes de serem tratadas como "danificadas", viveram meses "em estado de necessidade desesperada durante os quais ficaram sem cuidados terapêuticos adequados".

A história de uma paciente acometida por uma intensa "dor mental" seguida de uma forte e estranha incapacitação (ela se sentia desmoronando) "apenas" porque não encontrou a mistura para o bolo de cenoura que faria para uma amiga muito crítica e pouco afetuosa, relembra Bollas (e a todos os apaixonados pela obra de Freud) que o material mais importante de uma análise pode ser aquele aparentemente irrelevante. Estar atento ao momento agudo e exato que antecede a queda psíquica de um ser humano é o tema central deste livro fenomenal. Não consigo pensar em nada mais importante e bonito.

Segure-os Antes que Caiam

  • Preço R$ 79
  • Autoria Christopher Bollas
  • Editora Nós
  • Tradução Liracio Jr.

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