Fui ao teatro em Nova York, onde estou. Obrigatoriamente de máscara e vacinado. Ou melhor, fomos, umas 400 pessoas. Desde março de 2020 não fazia algo no coletivo. Não fazíamos. Indivisíveis como átomos, esquecemos que o coletivo existe. Se pudéssemos sair dos nossos corpos e vermos o teatro naquela noite de verão em Nova York, veríamos a plateia inteira, amorfa, rindo, inquietando-se, sussurrando, quiçá chorando.
Poucas obras literárias são narradas na primeira pessoa do plural. "Virgem Suicidas", de Jeffrey Eugenides, é uma delas, um grupo de adolescentes buscando compreender a si mesmos e o mundo. Nem sempre foi assim. Na Grécia Antiga, um coro dizia o que os personagens não ousariam dizer. Senti que ao reagirmos à peça nos movíamos como um polvo de um lado e de outro no teatro, ondas de emoção por estarmos juntos.
A pandemia nos juntou num coletivo de pessoas em pânico pela sobrevivência; mesmo com a variante delta à espreita e o apartheid global da vacina escancarado –ir ao teatro neste limbo pandêmico me mostrou que a vida só faz sentido quando compartilhada. E por isso sofremos na solidão em que a pandemia nos jogou. Ir ao teatro foi como ir ao futuro –e, meus amigos, o futuro deveria ser uma plateia aplaudindo.
Fui ver a primeira peça a reabrir na Broadway: "Pass Over" (passagem). Escrita pela brilhante Antoinette Nwandu e disponível em filme por Spike Lee, ela reencena o clássico de Beckett, "Esperando por Godot". Em vez de dois homens à espera de alguém que nunca chega, temos dois jovens negros presos numa esquina da qual não conseguem sair. Nada como uma peça absurda sobre a espera para significar o tempo presente.
"Neste lugar, neste momento, a humanidade somos nós, queiramos ou não. (...) O que estamos fazendo aqui? Essa é a questão. Foi-nos dada uma oportunidade de descobrir", escreveu Beckett. Ir ao teatro em Nova York neste pandemônio deixou ao menos uma coisa evidente: estamos todos esperando, juntos, que o amanhã chegue.
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