Foge à atenção do país que o Supremo Tribunal Federal esteja debatendo nesta semana se o direito à creche e a pré-escolas de crianças de zero a cinco anos de idade é um direito subjetivo fundamental para valer ou floreio dispensável ao prazer do administrador municipal. Tema fundamental, com pouco escrutínio. O caso (RE 1008166), originário de Santa Catarina, mas de repercussão geral, debate a obrigação de assegurar vaga em creche e se seria possível impor ou não tal gasto público.
Não cabe trivializar o debate sobre custo das creches, mas sim qualificá-lo. Análises econômicas que não contabilizem o papel positivo das creches em reduzir desigualdades –facilitando o acesso de mulheres ao trabalho formal e reduzindo o impacto do cuidado não remunerado que sobre elas recai– são tudo menos análises econômicas sérias.
Na pandemia, 650 mil crianças saíram da escola --número menor na escola pública, o que revela sua importância para as famílias mais pobres. Sem a externalidade do Judiciário, STF inclusive, municípios emularão o governo federal: em 2021, Bolsonaro tirou 80% dos recursos para creches.
A bússola está tão descontrolada que tendemos a esquecer que o Supremo é conservador em direitos sociais, haja vista os casos sobre terceirização e piso salarial da enfermagem. Quando o assunto são os mais pobres, a autopercepção do STF como paladino iluminista da justiça esconde nas entrelinhas de uma linguagem grandiosa critérios que existem apenas nas mentes das excelências.
No caso em questão, até agora, os ministros do STF estabelecem como critério que a família sem creche prove que não consegue pagar uma instituição privada, condição esse que inexiste no direito brasileiro e, ao cabo, serve de desincentivo aos mais pobres, é subjetiva e gera empecilho probatório. Que o STF lembre que sua decisão impacta crianças reais, não abstratas, data vênia a grandiloquência de suas falas que não tiram direitos do papel.
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